Família arrecada 43% do dinheiro para transplante de bebê nos EUA
Aline da Lavra, 34, teve uma gestação tranquila, mas na 26ª semana um ultrassom morfológico mostrou que seu filho Pedro tinha uma obstrução intestinal. Depois de nascer, o bebê, hoje com nove meses, foi diagnosticado com a SIC (Síndrome do Intestino Curto), mas parou de responder ao tratamento, o que fez com que os médicos indicassem o transplante de intestino.
A operação de alta complexidade, só é realizada no Brasil de maneira experimental, por isso, Aline criou uma campanha para arrecadar dinheiro para o tratamento nos Estados Unidos. A campanha, que teve início há cerca de um mês, já arrecadou R$ 850 mil até o fechamento desta matéria.
Lavra pretende entrar com uma ação na justiça para que o governo arque com todo o tratamento, mas afirma que ainda não tem todos os laudos e documentos necessários para iniciar o processo. "A arrecadação não seria necessária se o governo pagasse só o transplante que é R$ 2 milhões. Sem contar com os gatos de moradia, alimentação e sem poder trabalhar, pois preciso ficar cuidando dele", acredita.
Ainda que a SIC seja considerada uma doença rara, ela afeta pacientes de todas as idades, principalmente as crianças. "Uma estimativa é de que 60 a 70% das pessoas com essa síndrome são crianças que desenvolvem essa doença por defeitos congênitos", revela Flávio Galvão, livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
Pedro teve uma necrose do intestino e nasceu com 12 cm do órgão. "Os médicos falaram que o normal era ter dois metros. Depois de quatro meses, ele passou por uma cirurgia para fazer um alongamento e aumentou para 25 cm. Ele teve algumas melhoras, como parar de vomitar, o cocô também mudou", relembra a mãe.
Para poder realizar o transplante, a criança precisa ter 10 quilos, mas Pedro tem atualmente 5,7 quilos. De acordo com Lavra, para alcançar o peso necessário para a operação, o menino tem recebido alimentação paraenteral, leite via sonda nasal por gotejamento e tem feito tratamento com GH, "para melhorar a absorção".
Amigos do Pedrinho
Depois de receber a notícia de que o caso de Pedro era de transplante, Lavra iniciou a campanha "Amigos do Pedrinho" com o objetivo de captar R$ 2 milhões para pagar o transplante intestino nos Estados Unidos. "A cirurgia é delicada e cara, nem que vendêssemos tudo que temos teríamos condição de pagar, pois depois do transplante ele ainda precisa ficar um mês com nutrição parenteral e depois recebe alta, mas ainda precisa ficar uns oito meses lá para caso aconteça alguma coisa relativa ao transplante", explica.
Uma prima ficou responsável por atualizar o Instagram - rede social de compartilhamento de fotos -, enquanto outros amigos ajudaram com a arte e a divulgação do caso.
Mesmo com a intenção de entrar com a ação, a mãe de Pedro não pretende abandonar a campanha, pois quer que o filho passe pelo procedimento o quanto antes. "Uma ação não é resolvida em 12 dias ou num mês. O ambiente de hospital é tenso, ainda mais com um caso delicado. Numa situação dessa qualquer momento ele pode pegar uma infecção pelo cateter por causa da nutrição paraenteral. Nós estamos tomando o máximo de cuidado possível", afirma.
Lavra e o marido fizeram uma extensa pesquisa para selecionar o hospital para a operação de Pedro. "Decidimos pelo All Children's Hospital, em St. Petersburg, nos Estados Unidos, que é referência em transplante de intestino, e tem a maior taxa de sobrevida nesta operação, 90%", afirma. Os pais estão confiantes de que vão arrecadar o necessário para o transplante. "O Pedro é um menino alegre, amoroso, ele tinha tudo para ser uma criança estressada, mas ele é muito feliz", conta.
De acordo com o livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), uma criança não pode receber um órgão de adulto, portanto, ainda é preciso esperar por um doador antes de conseguir o transplante. "Nunca se sabe quando vai encontrar uma criança que teve morte encefálica, pois é algo mais difícil, mais raro. A criança ainda tem um bom sistema imunológico e se recupera mais rápido", explica Galvão.
No entanto, ele reconhece que os Estados Unidos tem um sistema de captação de transplante melhor que o nosso. "Eles dispõem de mais UTIs, por exemplo, que é essencial, já que os potenciais doadores respiram por meio de aparelhos especiais", elenca Galvão.
Transplante no Brasil
A cirurgia do transplante em si também é bem complexa, pois o intestino é um órgão que causa muita rejeição. "O órgão é sensível, então o transplante só pode ser feito com doadores bons. Mas as bactérias presentes no intestino que favorecem a rejeição", afirma Galvão.
"Só seis transplantes deste tipo foram realizados, sendo dois no HC no início da década de 60 e outros em instituições privadas. As operações não foram bem sucedidas, pois o intestino é um órgão que o corpo rejeita, mas o HC agora tem um grupo treinado em instituições americanas para atender casos de transplante de intestino e multivisceral no Brasil", explica Flávio Galvão, livre docente da Disciplina de Transplante de Órgãos e Cirurgia de Fígado do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).
No entanto, o primeiro transplante realizado pelo grupo não foi bem sucedido. O segurança José Cícero Lira da Silva, 33, que passou por um transplante multivisceral morreu. Ele tinha recebido cinco órgãos do sistema digestivo – fígado, intestinos delgado e grosso, pâncreas e estômago - ao mesmo tempo.
Para Galvão, é interesse de todos que o Brasil desenvolva a expertise nesses transplantes para que não seja preciso pagar um tratamento caro fora do país. "Nós acabamos perdendo a possibilidade de ter essa expertise no Brasil, pois esses transplantes mais peculiares trazem muita evolução de biotecnologia e avanço científico para o país", acredita.
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