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"A gente tem de se apegar no homem lá de cima", diz monitorado pelo ebola

Vagner Magalhães

Do UOL, em Cascavel

12/10/2014 06h00

Jair Carpeledo, 56, é carpinteiro. Na última quinta-feira (9), estava trabalhando na laje da construção de um sobrado em Cascavel, no interior do Paraná. De uma altura de três metros, uma tábua de madeira caiu sobre suas costas. Antes, segundo ele, rachou o seu capacete.

Prontamente Capeledo buscou ajuda na UPA (Unidade de Pronto Atendimento) Nova Brasília, na periferia da cidade. Não sabia que presenciaria o primeiro caso de suspeita da presença do vírus ebola no Brasil. Naquela tarde, o africano Souleymane Bah, 47, havia buscado, assim como Jair, atendimento no local. Vindo da Guiné há cerca de três semanas, foi diagnosticado com sintomas doença.

Neste sábado (11), o primeiro resultado de um exame feito por Bah, que está internado no Rio de Janeiro, deu negativo para a presença do vírus. Ele fará outro exame neste domingo (12) para confirmar o resultado. Jair precisou retornar à UPA, em Cascavel, para uma nova consulta. Ele é um dos 68 moradores da cidade monitorados por conta do contato com o suspeito da doença.

Abaixo, ele conta a sua experiência, desde a última quinta-feira:

"Eu estava aqui dentro. Dali a pouco fecharam tudo isso aqui e não explicaram o que era, o que é que não era. Aí chamaram uma moça. Ela explicou que era um caso grave. Que o cara estava isolado, que não podia sair. Que a vigilância sanitária iria vir. Eu cheguei aqui eram três da tarde. E quando eles nos liberaram eram nove da noite. 

Teve gente que ficou nervosa. Começaram a dar chute na porta. Foi quando apareceu a mulher que declarou o motivo. O que era, o que não era. No começo não podia nem entrar, nem sair, mas ninguém explicava o motivo sobre o que é que era. Aí você fica louco. Você vai saber o que vai acontecer? Das 15h às 21h não aconteceu nada. Bicho feio. Tinha mais de cem pessoas. Contando só aqui dentro, lá fora tinha mais.

Se eu fiquei assustado? A gente tem de se apegar com o homem lá de cima. Não dá para se apegar a outra coisa. Nesse dia não atenderam mais ninguém. A partir daí não puseram a mão em mais ninguém. Nos mandaram para a UPA do Jardim Veneza. Cheguei lá eram dez da noite. Saí às 2h.

Na verdade, eu vim aqui por causa de um acidente. Não vim para consultar. Aconteceu que nós estávamos em uma obra e caiu uma madeira nas minhas costas. E pegou na minha mão também. Eu vim para cá sem saber o que estava acontecendo.

Da madeira ficou tudo beleza. Quando eu estava aqui, já liguei lá em casa para falar com a minha esposa. O problema é por causa do meu piá (filho). Tenho um piá de oito anos, e o problema é esse aí.

Eu tenho 56 anos, sou carpinteiro, trabalho fichado. E estava fazendo um sobradinho, estava debaixo da laje. A tábua desceu em cima de mim.

Disseram que o rapaz estava aqui desde as 9h. Eu vi a imagem dele pela televisão, mas aqui ele não chamou a atenção. Eu já tinha ouvido falar (do ebola) na televisão. Mas não esperava que chegasse aqui.

Hoje ligaram lá em casa dizendo que era para eu vir consultar aqui, dar um retorno, consultar com um médico para ver como é que estava, como é que eu passei do dia 9 para cá. Mas eu estou bom. É a primeira vez que volto aqui. 

Mas não adianta esquentar a cabeça. Eles falaram que era suspeita de ebola, que até agora não foi confirmada. Fomos para o Veneza, deram máscara, álcool para lavar as mãos.

Eu peço a Deus que não seja nada. Se for vai fazer o quê? Voltar para trás não dá. Sigo aguardando. Agora estou aqui aguardando a consulta. Cheguei às 15h e até agora (17h), nada. E olha lá se não surgir o ebola de novo..."