"Meu filho escolhe a hora de nascer": mãe vai ao SUS para fugir de cesárea
“Assim que comecei a frequentar o SUS, tive acesso ao parto humanizado. Eu já era relutante a médicos que querem induzir uma cesariana porque minha mãe é enfermeira e sempre ouvi falar das consequências disso. Queria que meus filhos escolhessem a hora de nascer, não os médicos”, conta a professora universitária Fernanda Corghi, 32, que teve o primeiro filho, Gael, 8, em um parto de cócoras na maternidade da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Mesmo com plano de saúde, Fernanda optou por fazer todo o pré-natal no Hospital da Mulher Prof. Dr. Aristodemo Pinotti, o Caism, em Campinas (93 km de São Paulo), onde aprendeu exercícios de respiração e de alongamento, que fizeram diferença e amenizaram as dores no parto.
"Meus filhos são donos do parto deles"
No parto de cócoras, a gestante se ampara a barras de uma cadeira, onde fica em pé ou agachada. Quem se senta é o marido ou um acompanhante, que a ajuda massageando sua barriga até sentir que o bebê pode sair. O médico fica posicionado para segurar o bebê, que sai com a ajuda da força da mãe e da gravidade.
“O parto foi perfeito e não demorou muito. Tive ajuda do meu marido e da minha sogra, que me fizeram massagens. Quando senti que era a hora, a escolta da Unicamp me levou para a maternidade e meu médico já estava lá”, lembra.
Um ano e quatro meses depois ela teve Vito Bernardo, 7, também de parto normal, em um hospital particular em Bauru (329 km de São Paulo). Diante das duas experiências, ela pode comparar os serviços oferecidos na rede pública e privada.
“Meus filhos são donos do parto deles, têm orgulho disso. A história deles começa lá. Enquanto no Caism eu sai dois dias depois do parto porque no período eles me ensinaram a amamentar e dar banho direito, no hospital privado eu vi meu filho por um bom tempo atrás de um vidro”, conta.
Outras mulheres como Fernanda estão optando em ter seus bebês pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como forma de fugir da indução a uma cesariana. Isso porque o total de cesarianas na rede privada chega a 85% dos partos, enquanto no SUS não passa de 40%, segundo o Ministério da Saúde. Os últimos dados levantados pela pasta contrastam muito com a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), de que apenas 15% dos partos realizados sejam cirurgias cesarianas.
"Casa de parto curou minhas feridas"
A jornalista e doula Aline Melegaro, 24, mãe de Henrique, 2, e de Luis Valentim, de sete meses, diz ter vivido “os dois lados da moeda da obstetrícia brasileira” nos seus dois partos normais no SUS: um em hospital, onde chegou a ser ter as pernas amarradas, e outro em uma casa de parto, de forma humanizada.
“[No hospital público] tive um parto induzido com 40 semanas e três dias, devido à diabetes gestacional. Não permitiram que meu marido ou qualquer outra pessoa entrasse para me acompanhar. O que me era garantido por lei”, diz.
O trauma a fez formar-se doula, função que já exercia na segunda gestação e que a fez escolher ter o bebê na casa de parto de Sapopemba, localizada na zona leste de São Paulo. O drama e outras experiências como mãe ela conta no blog "Dormir? Nunca mais".
“Durante a gestação fiz pré-natal no SUS, na UBS mais próxima da minha casa, mesmo tendo convênio. Porque sei, assim como muitas mulheres, que parto natural com respeito pelo convênio é loteria, dependendo da cidade é ilusão. Também fiz meu pré-natal com a obstetriz que contratei para me assistir no dia”, afirma.
Na casa de parto, ela diz ter “curado suas feridas”, por não ter sofrido violência e nem a temida episiotomia (corte no períneo).
“Esse parto me pariu de novo, eu não pari só o Valentim. Eu pari meus medos, pari meus traumas, pari o Henrique de novo, me pari. Fugiria mil vezes de um hospital particular para ter meu filho assim. Bateria a porta em mil obstetras loucos por bisturi para viver essa experiência”, diz.
"O SUS salvou a vida do meu filho, mas não voltaria"
Mas muitas mães não conseguem fugir da falta de estrutura e de profissionais despreparados da rede pública.
A designer mineira Rita Carvalho, 32, viveu experiências extremas ao ter o filho em um hospital público do interior baiano em novembro passado. Gael nasceu prematuro de sete meses, durante uma viagem dela com a família à península de Maraú (BA), conhecida por suas piscinas naturais e praticamente desertas.
Rita, que trabalha como diretora de arte em São Paulo, e planejava ter o filho em um parto na banheira, começou a ter contrações quando chegou a Maraú e precisou ser transportada em um barco para o hospital mais próximo.
Ela teve seu filho no pequeno e único hospital de Itacaré (BA), onde não havia lençóis e o único médico no local não usava luvas. Seu irmão, que é médico, acabou fazendo o parto normal. O pai de Gael cedeu as próprias calças para enrolar o filho.
Sem UTI neonatal em Itacaré, Gael e a família foram transferidos pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) a um hospital público de Itabuna (BA), onde o bebê permaneceu na unidade de terapia intensiva por uma semana. Por ter contraído uma infecção generalizada no local, o pequeno foi transferido para um hospital privado de Belo Horizonte. O resgate em uma UTI aérea custou R$ 31 mil para Rita.
Depois de 37 dias entre o centro de terapia intensiva e a ala de internação do hospital mineiro, Gael ganhou peso, corpo e recebeu alta para curtir a família.
“Gael ficou quase 40 dias hospitalizado. Tive referências boas e ruins do SUS, embora tenha tido meu filho que nem bicho. O SUS me proporcionou o banco de leite para eu poder amamentá-lo, salvou a vida dele. Há muito para melhorar, um caminho muito longo pela frente para atender a população do jeito que ela merece, mas funcionou”, afirmou, emocionada.
Devido ao susto, Rita diz que não teria um segundo filho na rede pública se pudesse escolher. “Por mais que tenha dado certo, foi uma experiência muito traumática. Da próxima vez será uma experiência mais cautelosa”, diz.
Médicos reconhecem que há exagero
Entidades de ginecologistas e obstetras concordam que o índice deve diminuir, mas apontam alguns fatores para tentar explicar por que o Brasil bate recorde mundial no número de cesarianas.
Além dos casos nos quais a cesariana é realmente o procedimento mais indicado -- como quando a criança está mal posicionada ou a gestante tem algum problema sério de saúde --, a remuneração feita pelos planos de saúde aos obstetras, as novas tecnologias que permitem detectar doenças pré-existentes nas gestantes e nos bebês e a gravidez tardia da mulher moderna fazem aumentar o número de cesarianas, segundo o ginecologista João Bosco Meziara, presidente da Sogesp (Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo).
"Os planos de saúde pagam até R$ 300 por um parto. Mesmo assim, o Sogesp está tentando implantar nos hospitais de uma maneira geral uma fiscalização para que todas as maternidades tenham equipes completas de obstetras, pediatras, anestesistas e até doulas que fiquem exclusivamente com a parturiente", diz Meziara.
Recentemente, a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) divulgou uma carta cheia de críticas ao exercício da obstetrícia no país. Em um dos trechos, cita que ela "tornou-se excessivamente intervencionista" e que "há necessidade de se discutir posturas e protocolos para organizar e melhorar a assistência obstétrica no Brasil".
A Associação Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e o Ministério da Saúde estabeleceram normas para o estímulo ao parto normal com o intuito de diminuir o número de cesarianas na rede privada. Com as novas regras, as consumidoras de planos de saúde poderão solicitar às operadoras os percentuais de cirurgias cesáreas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico.
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