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Dano da microcefalia atinge bebês com cabeça normal; saiba mais sobre zika

Charles Sholl/Futurapress/Estadão Conteúdo
Imagem: Charles Sholl/Futurapress/Estadão Conteúdo

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

08/03/2016 06h00

Em meio ao noticiário frenético sobre o aumento no número de casos de microcefalia no Brasil e a sua ligação com o vírus da zika, as dúvidas sobre a doença aumentam à medida que novos fatos aparecem. Cláudio Maierovitch, diretor do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde é o especialista do país com mais conhecimento sobre o tema.

Em uma entrevista ao UOL, Maierovitch disse que as lesões neurológicas normalmente causadas pela microcefalia também estão sendo observadas em crianças com crânio maior que o critério adotado pelo Ministério. O diretor disse ainda que os hemocentros não têm exames laboratoriais capazes de impedir que sangue contaminado pelo vírus seja dado a gestantes e disse que não é possível negar a gravidade do quadro atual afirmando que, no passado, a doença era subnotificada.

UOL - Desde o final do ano passado, muitas informações circularam sobre a microcefalia e muitas dúvidas surgiram. Afinal, como o governo está classificando os casos de microcefalia?
Cláudio Maierovitch
- No trabalho de vigilância em saúde, muitas vezes a gente é obrigado a adotar as definições que não estão nos dicionários. Ao mesmo tempo precisamos ter a maior precisão nos termos. A rigor, a microcefalia é apenas uma definição de tamanho da cabeça. E esse é o critério utilizado na triagem dos recém-nascidos com a medição que é feita. Mas estamos considerando como confirmados apenas aqueles casos em que temos a chamada microcefalia anatômica, dada pelo tamanho da cabeça, e que também tenham alterações neurológicas confirmadas pelos exames de imagem. Ou seja: para a notificação (de um caso), adotamos o tamanho da cabeça, mas para a confirmação é preciso os resultados dos exames de imagem.

UOL- Todas as 5640 de notificações de suspeitos até agora são de bebês com crânio encefálico menor que 33 ou 32 centímetros?
C.M. -
Em dezembro, houve uma mudança no critério que utilizamos. A partir de então, os casos que foram notificados até a data dessa mudança poderiam ter crânio até 33 centímetros. Da mudança pra cá, essa medida baixou para 32 cm. Sabemos que estamos falando de uma doença nova e isso significa que o conhecimento disponível é pequeno. Foi uma opção por adotar um critério mais sensível e com isso conseguimos identificar se esse intervalo entre 32 e 33 centímetros estava gerando a inclusão de um grande número de crianças que eram normais e, portanto, inflacionando os números. Aí se decidiu, em reunião com especialistas em novembro, reduzir esse intervalo para 32 cm.

UOL - Os casos descartados até agora são de bebês com menos de 32 ou 33 centímetro de crânio encefálico que não apresentaram lesões neurológicas?
C.M. -
Exatamente. Estamos descartando aqueles casos que não apresentam lesões verificadas em exames de imagem, seja um ultrassom ou uma tomografia computadorizada, ou, em raros casos, por meio de ressonância magnética.

UOL- É possível que crianças com perímetro encefálico maior que 32 cm tenham alterações neurológicas relacionadas ao vírus da zika?
C.M.
Sim, é possível. Há alguns casos que foram notificados e confirmados, no entanto, pelo que se estudou até agora e pelas consultas feitas a um número grande de especialistas, é pouco provável. 

UOL - Que alterações seriam essas?
C.M. -
São alterações idênticas à microcefalia. O que observamos é uma quantidade maior de líquido no crânio fazendo que ele seja maior.

UOL - Isso torna o quadro mais difícil de ser estudado?
C.M. -
Certamente. Isso é um desafio a mais que a gente enfrenta uma vez que não existem sinais típicos que possam nos ajudar a ter 100% de capacidade de previsão para dizer se as crianças têm ou não problemas quando nascem. A forma mais fácil de identificar um caso potencial e que pode ser usada em qualquer maternidade do país é o tamanho do crânio. Mas sabemos que algumas crianças escapam desse tipo de triagem. Não existe qualquer outro tipo de propostas, de exames para que possamos submeter todas as crianças nascidas a exames buscando esse tipo de alteração. A identificação dos casos de lesões em crianças com o crânio maior vai acontecer na medida em que essas crianças sejam acompanhadas por médicos e pelas famílias.

UOL - Esses casos em que há lesões em crânios maior que 32 centímetros estão sendo contabilizados?
C.M. -
Sim. Esses casos só podem ser detectados quando há algum indício, ainda durante os exames pré-natais de que a criança tinha alterações (neurológicas) ou quando essa criança começa a manifestar alguma coisa que leva a gente a suspeitar de alguma alteração neurológica. Estamos falando de um número pequeno. O grande desafio é: se uma criança foge do parâmetro de 32 centímetros, de que maneira posso suspeitar que há um problema? Não é possível propor que 100% das crianças passem por exame de imagem. Seja por causa da radiação (raio-X) ou porque não há equipamentos suficientes para submeter todas as crianças a esses exames.

UOL - Já podemos então falar em uma síndrome da zika congênita?
C.M. - Quando falamos de má-formação congênita, especialmente quando é sistêmica, em geral falamos de síndrome. Os problemas não caminham sozinhos, podem ser mais localizados, como a microcefalia, mas ainda não é possível saber todo o leque de alterações que o vírus pode causar. Os mais aparentes são do prejuízo do desenvolvimento cerebral, resultando na microcefalia. Já temos vários relatos com alterações dos olhos –normalmente retina--, alterações nos ouvidos e nas articulações e membros. Existe uma impressão geral de que a maior parte das más-formações relacionadas com zika tem origem no sistema nervoso.

UOL - Quais são as hipóteses de outras doenças ou características associadas à zika que poderiam levar às lesões que temos visto?
C.M. - Nós não temos dúvidas de que o vírus da zika causa diretamente às más-formações. Sempre fica a pergunta: por que duas mulheres tendo a infecção no mesmo período da gestação têm chances diferentes de que seus filhos tenham lesões? Nós não temos resposta para isso, não temos resposta nem mesmo para doenças conhecidas há muito tempo, como é o caso da rubéola, da citomegalovirose. Não acredito que vamos ter essa resposta em curto tempo. Existem fatores que não são plenamente conhecidos. É provável que casos de infecção pelo zika não resultem em lesões [nos fetos]. Já tivemos relatos de gêmeos que tiveram resultados diferentes, mostrando que o comportamento do vírus não é totalmente previsível. [Em ao menos três casos de gêmeos, um deles nasceu com más-formações e o outro não].

UOL - Alguns especialistas afirmam que não há epidemia e que o que havia antes era uma imensa subnotificação dos casos de microcefalia. Qual a posição do Ministério da Saúde?
C.M. -
Sempre que se chama atenção para um problema, o sistema de saúde fica mais sensível a esse problema. Quem trabalha em vigilância em saúde sabe que todas as doenças de notificação obrigatória são subnotificadas em algum nível. Isso certamente acontecia com a microcefalia, no entanto, a diferença entre o número de casos por mês ou por semana antes e depois de outubro de 2015 é muito grande.

UOL - Qual o período mais perigoso para uma gestante ser infectada pelo Zika vírus?
C.M. -
Pelos levantamentos que foram feitos, com entrevistas com grande número de mães, aparentemente é no primeiro trimestre da gravidez. Essa fase da gestação é determinante na estruturação do cérebro da criança. Não quer dizer que uma infecção mais tardia não cause nada. Mas uma infecção mais tardia, em tese, não causaria efeitos tão severos na arquitetura do cérebro. Mas é cedo para fazer uma afirmação categórica. Temos institutos de pesquisa acompanhando gestações inteiras para saber qual é o risco em cada período.

UOL - Uma vez infectada pelo Zika, a pessoa fica imune?
C.M. - Espero que sim, mas não temos certeza. A infecção por zika é uma infecção recente e não há estudos capazes de demonstrar se a pessoa desenvolve anticorpos ou se eles são suficientes para impedir uma nova infecção.

UOL - Há elementos para afirmar que o vírus da zika é transmitido por relação sexual?
C.M. - Existem fortes indícios de que sim. Alguns casos relatados fora do Brasil, onde não existe transmissão por mosquitos, apontam para isso. Mas este é um tema para ser melhor estudado. Quando se fala por relação sexual, não significa que alguém foi capaz de identificar de que forma o vírus passou de uma pessoa para outra, mas como várias doenças tem esse tipo de transmissão, por analogia, a gente atribui esse tipo de transmissão ao vírus da zika.

UOL - Os hemocentros estão sendo orientados a fazer testes específicos para evitar que grávidas recebam bolsas de sangue infectado pelo vírus da zika?
C.M. - Neste momento, os hemocentros estão orientados a fazer uma investigação clínica cuidadosa (dos doadores) sobre a ocorrência prévia de febre ou outros indicadores clínicos que podem indicar que o doador teve uma infecção pelo vírus. Ainda não há nenhum teste implantado nos centros de saúde para verificar a presença do vírus no sangue.

UOL - Não é temerário que grávidas possam receber sangue contaminado?
C.M. - Claro. O que se tem ideia é que, em primeiro lugar, que mulheres grávidas não precisem de sangue. Em segundo lugar, a gente deseja que esse sangue seja seguro e livre de qualquer tipo de contaminante. O mecanismo existente hoje para a triagem desse sangue é o questionário aplicado aos doadores. Existem pesquisas para o desenvolvimento de testes que possam ser aplicados em larga escala, mas é bom lembrar que o teste aplicado num hemocentro não teria as mesmas características para o diagnóstico individual.

*Com colaboração de Lilian Ferreira e Cristiane Capuchinho