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"Disseram que teria horas de vida", diz mãe de bebê de 1 ano vítima da zika

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

12/08/2016 06h00

Há um ano, Danielle Cândida da Costa, 33, ouviu do médico que o filho dela poderia ter apenas “umas horinhas de vida”. A conversa foi tida logo após ela dar à luz David Miguel. “Eu tinha acabado de parir e ouvi isso da forma mais fria possível. Fiquei arrasada”, conta.

Apesar do prognóstico, o menino, que tem microcefalia, completou um ano de vida no fim de julho. “Esse ano que passou representa uma vitória para mim. O médico só faltou dizer que, se ele sobrevivesse, ia ser um vegetal”, conta a mãe, moradora do Recife.

David está entre os primeiros bebês a serem diagnosticados com microcefalia numa época que os médicos ainda não tinham ideia de que a infecção pelo vírus da zika poderia causar deformações neurológicas em bebês durante a gestação.

Foi o número de casos registrados em junho e julho que deu início às investigações que descobriram uma epidemia de microcefalia no país. Até agora, já foram confirmados 1.749 bebês com microcefalia ou alterações no sistema nervoso central por causa do vírus da zika. Desses, 376 nasceram em Pernambuco.

Micro 1 ano - Joelson Souza/Reprodução - Joelson Souza/Reprodução
Danielle chegou a ouvir chamarem o seu filho de "monstrinho"
Imagem: Joelson Souza/Reprodução

O aniversário de David não passou batido. “Comprei um bolinho para comemorarmos a vida do meu filho”, diz a mãe, que só soube que o bebê tinha problemas de desenvolvimento no último mês da gestação. "Me desesperei, parei de comprar o enxoval. Ficava dentro de casa trancada."

Foi um ano difícil para Danielle, que chegou a ouvir chamarem David de "monstrinho". Ela teve de deixar o trabalho e dedica seus dias a levar o bebê para as terapias. O pai de David já tem outra família e ela tenta "evitar atritos" com a atual mulher dele.

A rotina puxada em função do bebê ainda gera ciúmes entre seus outros quatro filhos, com idades entre 6 e 17 anos.

É minha mãe quem acaba levando meus filhos na escola, para o médico. Meu filho de 6 anos chegou a dizer que eu gostava mais de David do que dele. Eu expliquei que o irmão dele era especial, e agora precisava mais da minha atenção que ele.”

Mudança completa na vida e na rotina

O abandono do emprego é uma constante na vida das mães dessas crianças, que têm um cotidiano de terapias e exames

Adriana Cordeiro da Silva, 29, trabalhava como ajudante em uma clínica em Custódia (PE), no sertão pernambucano, até o nascimento de seu filho José Bernardo, no fim de junho. Foram quatro meses até Adriana descobrir que a dificuldade de desenvolvimento de seu filho era consequência da microcefalia.

Desde então, duas vezes por semana, Adriana passa seis horas em um carro disponibilizado pela prefeitura para levar o filho para suas terapias no Recife. Para isso, sai de casa à 1h da manhã. Em outros dois dias, a viagem é mais curta pois o atendimento é feito em Arcoverde, a uma hora de Custódia.

A gente lutou muito para conseguir esse carro. Tenho medo de perder porque ir para as terapias é fundamental para ele.”

Desenvolvimento a passos lentos

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Elaine Michelle soube que o filho tinha microcefalia há um ano, logo após dar à luz
Imagem: Joelson Souza/Reprodução

Mesmo com acompanhamento médico e fisioterapias, os bebês se desenvolvem mais lentamente que outras crianças. Mãe de João Gabriel, Elaine Michelle dos Santos, 29, conta que com um ano, ele não senta sozinho.

A visita diária às terapias no Recife está dando resultado. Antes, conta ela, João tinha os membros bem rígidos, agora consegue movimentar mais os braços e as pernas e manter o pescoço firme. “São pequenas evoluções, mas quem convive percebe. Cada dia é uma vitória”, diz. 

Sei que ele é feliz do jeitinho dele porque tem uma família que o ama muito. Eu espero que ele fale, mas se não falar não tem problema.”

Além da microcefalia, o bebê de Adriana Cordeiro da Silva também desenvolveu um problema no quadril que o tem impedido de dar os primeiros passos. “Quando a gente coloca ele em pé, já ensaia dar umas passadinhas. Mas vai ter que fazer uma cirurgia no quadril porque o médico viu que ele pisa com um pé em cima do outro", diz a mãe.

Há estudos que mostram que a zika faz com que os bebês desenvolvam uma síndrome que provoca, além de lesões neurológicas, graves deformidades nas articulações, especialmente em braços e pernas.

A dificuldade de conseguir o benefício

Após um ano do início da epidemia de microcefalia no Brasil, pais de bebês vítimas da zika têm tido dificuldade de conseguir o benefício no valor de um salário mínimo. Há uma longa fila de espera de famílias de baixa renda.

O benefício é essencial para quem precisa de cuidados especiais com seus filhos. “Hoje só meu marido trabalha em casa. Eu recebo um benefício de R$ 880, que me ajuda demais, além de ter o passe livre no transporte público”, conta Elaine, que, após quatro meses de espera, conseguiu o benefício quando o filho já tinha oito meses.

Somente nos primeiros três meses de 2016, havia no INSS pelo menos 2.000 pedidos de concessão do auxílio para menores de um ano - número muito acima da média. Apesar de terem baixa renda comprovada, pais que tiveram o pedido do benefício negado têm entrado na Justiça pelo direito. 

Famílias de bebês com microcefalia sofrem com negligência do governo

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