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Cidade com pior qualidade de vida teme que substitutos de cubanos desistam

Rio Laguna, na comunidade São José, em Melgaço  - Marcelo Lelis/Agência Pará
Rio Laguna, na comunidade São José, em Melgaço Imagem: Marcelo Lelis/Agência Pará

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

24/02/2019 04h00Atualizada em 25/02/2019 09h03

Um paraíso formado por ilhas com praias de água doce e a mais antiga floresta da Amazônia legal (Floresta Nacional de Caxiuanã) tornam único o município de Melgaço, a 290 km de Belém, no Pará. As belezas naturais da cidade, no entanto, são insuficientes para atrair profissionais de saúde: dona do menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, Melgaço não consegue substituir os médicos cubanos que deixaram o programa Mais Médicos no fim do ano passado.

Com 26 mil habitantes, a cidade tem a pior qualidade de vida do Brasil. De acordo com o IBGE, seu IDH é de 0,418 (o índice médio do país é de 0,759). De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, a taxa de mortalidade infantil chega a 19 para 1.000 nascidos vivos (contra a média brasileira é 12,8) e só 3,3% das casas têm rede de esgoto, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Ao todo, a cidade tem três UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e um hospital de pequeno porte, com 15 leitos. O desemprego também é alto: apenas 3,5% da população tem um emprego, diz o IBGE.

Após o rompimento do acordo de Cuba com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), Melgaço perdeu os sete médicos cubanos que participavam do Mais Médicos. A esperança de que as vagas fossem preenchidas acabou frustrada em janeiro deste ano, quando todos os postos foram ocupados por profissionais formados no Brasil, mas apenas um deles assumiu o cargo.

"Os outros candidatos me ligaram, especularam sobre a cidade, mas desistiram", contou ao UOL Daniel Taveira, secretário de Saúde da cidade, uma das 2.500 ilhas e ilhotas que integram o arquipélago de Marajó. "A principal razão é o difícil acesso", acredita o secretário.

Melgaço fica no norte do Pará; uma das ilhas que integram o Arquipélago de Marajó - Domínio Público - Domínio Público
Imagem: Domínio Público
Em Melgaço, as poucas escolas são públicas e não há hospital particular. "Mas a principal razão de desistência é o acesso apenas por rios. Do município para a capital, são 14 horas de viagem em uma embarcação. A passagem é cara e a alimentação também", conta Taveira.

Neste mês, as seis vagas abertas pelo município voltaram a ser preenchidas, desta vez pelos médicos brasileiros formados no exterior, para quem foram reservadas as 1.397 vagas que o programa ainda precisa preencher em todo o país. Apesar da notícia, Taveira não está otimista.

Segundo o secretário, os seis profissionais que escolheram Melgado e foram ratificados pelo governo federal ligaram para ele nos últimos dias a fim de conhecer melhor a estrutura da cidade. "Eles querem saber como é a moradia, se temos escolas. Dos que conversaram comigo, senti que uma médica virá."

Taveira se refere a Handressa Mayra Ribas. O UOL conversou com a médica, que prefere conceder entrevista apenas depois que seu nome for confirmado pelo Ministério da Saúde. É que 1.385 médicos formados no exterior agora precisam passar por um "módulo de acolhimento e avaliação".

Eles vão estudar legislação do sistema de saúde brasileiro, o funcionamento do SUS (Sistema Único de Saúde), da Atenção Básica, protocolos de atendimento, Língua Portuguesa e Código de Ética Médica. A expectativa é que eles estejam aptos para começar a trabalhar a partir de 28 de março.

Desses 1.397, 12 profissionais já podem começar a trabalhar: 2 na Bahia, 2 em Alagoas, 2 no Maranhão, 1 em Roraima, 1 no Amapá, 1 no Mato Grosso, 1 em São Paulo, 1 na Paraíba e 1 no Amazonas.

Norte fica com 45% dos médicos

A região Norte é a que mais receberá médicos: 632 profissionais, 45% da nova lista de médicos do programa formados fora do Brasil. O Pará, onde fica Melgaço, é o estado que mais receberá especialistas, 265 deles. Na região, é seguido pelo Amazonas (210), Rondônia (44), Acre (37), Amapá (31), Roraima (29) e Tocantins (16).

O Nordeste aparece na sequência. Terá direito a 321 médicos, ou 23% do total. Destaque para o Maranhão (143 profissionais), Bahia (78) e Piauí (34). No Centro-Oeste, o Mato Grosso receberá 55 especialistas, pouco menos da metade dos 102 destacados para a região, que ficará com 7,3% dos médicos. Mato Grosso do Sul (34) e Goiás (13) completam a lista.

O Sudeste receberá 143 formados no exterior, quase 10% do total. São Paulo receberá 90 médicos. É seguido por Rio de Janeiro (29), Minas Gerais (22) e Espírito Santo (2). No Sul, que concentra 13,5% das vagas, 130 trabalharão no Rio Grande do Sul, 38 no Paraná e 19 em Santa Catarina.

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