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Chance de ser morto no Rio varia de Bélgica a Honduras no mesmo bairro

Akemi Nitahara

Da Agência Brasil

20/11/2016 13h54

A cidade do Rio de Janeiro pode ser chamada de "Belduras", numa referência à taxa de homicídios da Bélgica, uma das mais baixas do mundo, com 1,6 assassinato por 100 mil habitantes, e a de Honduras, o país mais violento, com taxa de 90,4 por 100 mil.

A comparação está no estudo "Democracia Racial e Homicídio de Jovens Negros na Cidade Partida", lançado na sexta-feira (18) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

Segundo os pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Coelho, o grupo dos 10% com mais chance de sofrer morte violenta têm probabilidade 62,1 vezes maior do que o grupo dos 10% com menores chances de sofrer assassinato na cidade. Coelho destaca que essa discrepância ocorre dentro de um mesmo bairro.

"Se o cara tem 21 anos, é negro, com baixa escolaridade e mora em determinados bairro, tem mais chance de ser assassinado. Já uma pessoa mais velha, branca, que mora na zona sul e tem curso superior, tem probabilidade muito pequena. Na zona sul há um grande grupo de pessoas que têm baixo risco de ser assassinado. O grupo de brancos com mais chance de ser assassinado inclui os de baixa escolaridade, baixa renda e jovens".

'Belduras'

Coelho destaca que a pesquisa desenvolveu um modelo econométrico para verificar a incidência dos homicídios entre os homens negros, sem considerar os outros parâmetros socioeconômicos. Aos 21 anos, idade em que há um pico estatístico nas chances de sofrer assassinato, a probabilidade de um jovem preto ou pardo ser vítima é 147% maior do que a de um branco, amarelo ou indígena.

Cerqueira explica que o estudo dividiu a cidade em 16 conjuntos de bairros e notou que, em todas as regiões, a chance de os negros sofrerem homicídios é sempre muito maior do que a dos não negros.

"A gente pode imaginar cada região da cidade como Belduras, em homenagem ao Edmar Bacha que falava da Belíndia (Bélgica e Índia). Você tem na mesma região cidadãos que têm chance de sofrer homicídio como um belga e grupos de pessoas que têm chance de sofrer homicídio como um cidadão de Honduras, que é o país mais violento do mundo. Mesmo entre os brancos, há um grupo com menos chance e outro com mais probabilidade de ser assassinado".

Cidade partida

Eles explicam que o resultado da análise mostra claramente a cidade partida. Enquanto a chance de sofrer assassinato é baixa em locais como zona sul, Barra da Tijuca, Ilha do Governador e Tijuca, a probabilidade aumenta em Madureira, Pavuna, Santa Cruz e Campo Grande. Porém, em todas as regiões, a probabilidade do negro ser vítima de homicídio é muito maior do que a do branco. Os negros são 78,9% dos 10% com mais chances de serem assassinados e 42,8% dos que têm menor probabilidade.

"Se a gente fizer isso em São Paulo, provavelmente o gráfico ia ser diferente, porque lá o sentido de periferia é mais de periferia geográfica mesmo. Aqui está tudo misturado".

A pesquisa calculou como cada característica afeta a chance de a pessoa sofrer homicídio. Foram analisados os dados de escolaridade, local de residência, idade e estado civil, além da cor da pele, na amostra de homens entre 14 e 70 anos do censo de 2010, residentes no Rio de Janeiro, e o número de mortos na cidade naquele ano.