'Oxigênio acabou e entramos na raça', diz bombeiro de Santa Maria
O que se iniciou como um plantão atipicamente tranquilo para os bombeiros de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, acabou se transformando naquele que é o maior desastre enfrentado pela corporação em toda a sua história.
Após um sábado praticamente sem ocorrências, em que alguns bombeiros nem chegaram a deixar o quartel, as notícias sobre o incêndio que viria a matar 231 pessoas em uma casa noturna no centro da cidade começaram a aparecer nas primeiras horas do último domingo.
"Eu ainda não tinha saído do quartel. Já tinha jantado e estava no momento de descanso", conta o soldado do Corpo de Bombeiros Luciano Vargas Pontes, um dos primeiros homens a chegar ao local do incêndio.
As informações iniciais passadas por telefone, no entanto, não davam a real dimensão do desastre.
Quando chegaram ao local, os bombeiros se depararam com uma cena inesperada: pessoas estavam deitadas na calçada e na rua em frente à boate Kiss.
Antes mesmo de descer da viatura, chamaram reforços dos bombeiros e da polícia.
A espessa fumaça preta que saía do imóvel acrescentava ainda mais urgência ao incidente em que a maior parte das vítimas acabou por morrer asfixiada. "Chegamos com a noção de que tínhamos dez minutos para salvar o maior número de vítimas".
Corrida contra o tempo
Munidos de cilindros de oxigênio, homens do corpo de bombeiros começaram a retirar as vítimas do local, enquanto pessoas que conseguiram escapar da boate ou passavam pelo local organizavam corpos, feridos ou jovens inconsciente no meio da rua.
"O tempo pode parecer curto, mas para nós e para as vítimas é uma eternidade", diz o sargento Sergio Gularte, que também participou da operação. Ele conta que a pressa em resgatar o maior número de pessoas no menor espaço de tempo fazia com que acabassem gastando muito oxigênio. Logo, os cilindros usados para a respiração estavam vazios. O jeito foi continuar o resgate sem eles.
"O oxigênio do cilindro acabou e tivemos que ir na raça, tínhamos que tirar todo mundo".
Enquanto isso, homens que decidiram ajudar na operação receberam ferramentas dos bombeiros e começaram a quebrar as paredes da casa noturna para que a fumaça saísse. O teto também foi parcialmente aberto para permitir a dissipação dos gases tóxicos resultantes da combustão do material de isolamento acústico da boate.
"Quando (a fumaça) aliviou, entramos rastejando no chão, para evitar respirar os gases", lembra Gularte.
Firmeza
Mas além das dificuldades de entrar na boate e retirar corpos e sobreviventes, os bombeiros também tinham que lidar com o desgaste emocional de ter que realizar uma operação dessas proporções na cidade onde vivem, sob o risco de encontrarem rostos conhecidos entre as vítimas.
"Cada um de nós que estava atendendo (as vítimas) tinha a noção de que poderia ter alguém conhecido", disse Luciano Pontes.
Este desgaste era ainda mais forte entre aqueles que têm filhos ou parentes da idade das vítimas, em sua maioria, jovens universitários.
O comandante do Centro Operacional de Crise, major Gerson da Rosa Pereira, chegou ao local por volta de 3h30 da manhã com a incumbência de gerenciar a operação. Apesar do treinamento e preparo de mais de 20 anos no Corpo de Bombeiros, ele conta ter chorado algumas vezes desde o último domingo.
"Tenho duas meninas, uma de 20 e outra de 18 anos, que frequentavam muito a boate. Era difícil não olhar para aquelas meninas que morreram no incêndio e não lembrar das suas", diz Pereira. "É chocante, mas você tem que superar. Tem que ter uma aparente firmeza".
Exaustão
Os últimos dias foram de trabalho quase ininterrupto para bombeiros, policiais, médicos e outros envolvidos no trabalho de remoção das vítimas e assistência às famílias.
Como ficaram diretamente expostos à fumaça do incêndio, os bombeiros que participaram da operação devem passar por alguns exames. Segundo médicos, pessoas expostas a gases tóxicos podem desenvolver quadros pulmonares graves dias após o incidente.
Mesmo com o início do sepultamento dos corpos, nesta segunda-feira, a tragédia está longe de acabar para os envolvidos.
"Chego em casa e está passando isso na televisão, as pessoas me perguntam, não consigo desligar. Essa ocorrência é difícil por causa disso: não termina no final", diz o soldado dos bombeiros Luciano Pontes.
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