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Refugiados convivem com solidariedade e xenofobia em vila de contêineres de Berlim

Clarissa Neher

De Berlim para a BBC Brasil

11/09/2015 06h51

Em busca de segurança, Agid Sulliman, de 23 anos, deixou a Síria - como muitos de sua família. Ele partiu sozinho em direção à Alemanha, em uma viagem longa, tortuosa e violenta.

"Fui obrigado a lutar nas Forças Armadas sírias, mas meu coração não permitia que eu matasse pessoas. Sabia que, ao não cumprir ordens, seria morto, por isso, precisava sair do país", contou Sulliman à BBC Brasil.

Há um ano e sete meses, o jovem chegou à Berlim, onde vive em abrigos temporários. Ele aguarda, pacientemente, os trâmites do requerimento de refúgio. Nesse curto espaço de tempo, teve contato com duas realidades distintas presentes na sociedade alemã: uma que apoia os refugiados e a outra que não os aceita.

Desde dezembro, Sulliman mora com mais 385 requerentes de status de refugiado em uma vila de contêineres construída em Köpenick, um bairro na periferia de Berlim. Esse alojamento foi o primeiro do tipo construído na capital.

Porém, a solução da prefeitura para abrigar o imenso fluxo de refugiados que chegava à cidade não agradou a todos - principalmente a vizinhança da região.

Nos últimos meses, centenas de pessoas participaram de periódicos protestos - de tons xenófobos - contra o abrigo em frente ao local, organizados por grupos de extrema-direita. No início do ano, houve confrontos violentos desse grupo com manifestantes a favor do abrigo. Mais de 15 pessoas foram presas na ocasião.

A aversão a abrigos de refugiados não é exclusiva de Köpenick. Em diversas regiões da Alemanha moradores protestam contra o alojamento de migrantes próximo a suas casas. Alguns reclamam por não terem sido informados adequadamente pelas autoridades sobre a decisão e dizem temer o aumento da violência.

Muitos protestos, porém, são organizados por grupos neonazistas. Desde o início do ano, o número de ataques incendiários a abrigos de refugiados e locais destinados a receber migrantes aumentou. Na primeira metade de 2015, foram 202, a mesma quantidade registrada durante todo o ano de 2014 na Alemanha.

Os episódios mais recentes ocorreram no início desta semana nas cidades de Rottenburg e Neckargemünd - ambas no sudoeste do país - e em Rockensussra, na região central da Alemanha.

Em Köpenick, a situação se amenizou nos últimos meses, mas um pequeno grupo continua protestando contra os refugiados duas vezes por semana. A página no Facebook do grupo contra o abrigo possuiu quase seis mil seguidores. Ao caminhar pelas ruas do bairro, ainda é possível ouvir moradores se queixando da massa de refugiados que chega ao país.

Solidariedade presente

Apesar dos protestos incomodarem os moradores do abrigo, o apoio que eles recebem dos alemães solidários com sua situação é maior e mais presente no seu cotidiano.

Alguns vizinhos se reuniram e criaram uma iniciativa para angariar doações e voluntários, segundo o diretor do abrigo, Peter Hermanns.

Entre as pessoas que trabalham no local, 40 são funcionários e 50 voluntários. Os voluntários oferecem cursos de alemão, pintura, futebol, ensinam a consertar bicicletas, auxiliam as crianças com tarefas escolares e brincam com elas à tarde.

Outro grupo acompanha os migrantes durante o processo de análise do pedido de status de refugiado ou em consultas médicas. Há também médicos voluntários que prestam atendimento no local.

Embora os protestos tenham diminuído e as demonstrações de solidariedade aumentado, alguns moradores da vizinhança ainda preocupam o diretor do abrigo.

"O clima não é estável. As reclamações aumentaram recentemente, muitas delas sem fundamento. Há aqueles que reclamam do barulho, tentamos explicar que é natural que haja mais barulho com quase 400 novos moradores e muitos entendem. O problema é quando as críticas em relação ao barulho são transformadas em ressentimentos racistas. Com essas pessoas é impossível conversar", disse Hermanns.

Cotidiano improvisado

Em meio a esse contraste na sociedade alemã, os moradores da vila de contêineres de Köpenick tentam dar continuidade à vida interrompida pela guerra e pela fuga. No período da manhã, o abrigo fica praticamente vazio.

A maioria das cerca de 75 crianças que moram no alojamento vai para a escola. Já os adultos frequentam aulas de alemão em outros locais ou aproveitam a ausência dos filhos para resolver questões burocráticas que envolvem o requerimento do status de refugiado.

À tarde, o abrigo começa a ficar mais movimentado. Os requerentes podem participar de uma série de atividades, oferecidas por voluntários.

Assim como em qualquer vizinhança, às vezes há atritos entre os próprio migrantes. Segundo Hermanns, para evitar maiores problemas, a administração segue à risca as regras de divisão dos quartos duplos - de acordo com a religião e idioma do migrante - e a capacidade do local.

"Não colocamos mais pessoas do que a capacidade permitida, pois queremos que todos tenham pelo menos um pouco de privacidade. Esses prédios são bem apertados e evitamos a superlotação, que acentua conflitos", conta Hermanns.

Sulliman divide o pequeno quarto com outro morador. Na vila há também famílias como a de Uka Naim, de 47 anos, que veio do Kosovo com a mulher e duas filhas, de 4 e 2 anos. Assim como o jovem sírio, Naim busca segurança e perspectivas de um futuro melhor, além de um tratamento de saúde para a filha mais velha. Ele fugiu do caos que impera no país desde o fim da guerra, onde não há trabalho, atendimento médico e a corrupção toma conta do governo.

Depois de quatro dias de viagem - a pé, de ônibus e de trem - passando pela Hungria e Áustria, Naim chegou a Berlim e desde fevereiro ocupa um dos quartos destinados a famílias na vila de contêineres. Esses espaços são maiores do que os quatros duplos. Em todos, há duas camas, armário, prateleiras, uma mesa, duas cadeiras e um frigobar. Os moradores dividem a cozinha e os banheiros.

Modelo aprovado

Em alguns dos abrigos - muitos deles superlotados - improvisados espalhados pela Alemanha, a situação dos moradores é bastante precária. Porém, na vila em Köpenick, os migrantes conseguem transformar o espaço em uma moradia digna, apesar da cozinha pequena e apertada e do calor insuportável em dias quentes, acentuado por erros estruturais na construção da habitação.

A experiência deu certo e a prefeitura planeja construir 36 vilas contêineres nos próximos anos. A grande vantagem desse modelo é o tempo de construção. A vila em Köpenick ficou pronta em apenas 44 dias. Além disso, esse alojamento oferece mais conforto do que camas improvisadas em barracas ou ginásio de esportes.

No final de agosto, foi inaugurado o sexto abrigo desse tipo em Berlim. De imediato, o governo local busca alternativas emergenciais para abrigar os cerca de 40 mil refugiados que são esperados na capital. As autoridades cogitam colocar camas nas instalações do antigo aeroporto Tempelhof, desativado em 2008 e que atualmente recebe feiras e eventos.

Mas enquanto isso não acontece e diante do grande fluxo de migrantes que chegou na última semana, Berlim acabou aceitando uma medida que evitava durante meses: o alojamento em barracas. Cerca de 700 pessoas irão para um campo montado ao lado de uma instalação militar. O grande problema dessa solução temporária é o inverno que se aproxima.

Administração sobrecarregada

No abrigo em Köpenick, os refugiados recebem tudo que precisam. A situação se complica, no entanto, quando eles precisam das autoridades, que estão sobrecarregadas. A maior dificuldade é no atendimento médico.

Hermanns contou, inconformado, que uma refugiada com um furo no tímpano aguarda já há uma semana por uma cirurgia de emergência, mas o hospital não autoriza a operação enquanto a prefeitura não liberar o pagamento.

"Ela ainda está aqui, sofrendo de dor e ninguém a atende", ressaltou o diretor. Além de dificuldades no atendimento médico, há relatos de atrasos no pagamento de benefícios sociais.

Na Alemanha, requerentes de asilo e de refúgio têm direito a moradia e medicamentos, além de uma ajuda em dinheiro para despesas com vestuário, alimentação e artigos de higiene. Esse valor pode chegar a pouco mais de 350 euros por mês.

No país, requerentes de asilo e refúgio só podem trabalhar legalmente e sem nenhuma restrição depois de 15 meses após a entrada do pedido junto as autoridades alemães.