Topo

Como irmão de vítima de atentado em avião descobriu suspeitos 27 anos depois

ROY LETKEY/AFP/Arquivo
Imagem: ROY LETKEY/AFP/Arquivo

16/10/2015 16h14

O documentarista americano Ken Dornstein perdeu seu irmão David na explosão de um avião da Pan Am em 1988 enquanto sobrevoava a Escócia, que matou 270 pessoas e ficou conhecida como atentado de Lockerbie.

Apenas um dos autores do ataque, o líbio Abdelbaset Al-Megrahi, foi condenado pelo crime em 2001, mas muitas perguntas sobre o incidente continuavam sem resposta.

Agora, 27 anos depois, uma investigação independente de Dornstein encontrou outros dois suspeitos, que devem ser interrogados pelo FBI e pela polícia escocesa.

Os dois, Mohammed Abouajela Masud e Abdullah Al-Senussi, foram citados em um documentário na televisão americana no mês passado, que se baseou na investigação de Dornstein.

"Foi o acontecimento improvável da Primavera Árabe (em 2011), com a derrubada do (ex-líder líbio) Muammar Khadafi, que me deu a oportunidade. Eu liguei para algumas pessoas que conheço e tentei descobrir coisas", disse Dornstein à BBC.

'Figura misteriosa'

Com uma lista de nomes envolvidos na investigação, ele foi três vezes à Líbia em busca de informações.


"Eu tinha uma lista de nomes de pessoas citadas na investigação e concluí que deveria haver três dessas pessoas vivas. Uma delas estava desaparecida e eu não tinha nenhuma informação sobre ela. Outra era Abdullah Al-Senussi, que era procurado pelos líbios. Ele acabou sendo capturado e levado de volta ao país."

Dornstein afirma, no entanto, que a busca mais difícil foi por Abouajela Masud, que era considerado "uma figura misteriosa".

"(Masud) Era um nome que tinha aparecido na investigação original que todos negaram que sequer existisse. Se sabia muito pouco sobre ele, mas eu acreditava que descobrir se ele existia já responderia muitas perguntas sobre o ataque, porque ele esteve próximo de Al-Megrahi em momentos-chave e dizia-se que era especialista em bombas", conta.

"Consegui comprovar que ele era uma pessoa real ao conectá-lo a outro ataque terrorista líbio realizado alguns anos antes de Lockerbie - a detonação de uma bomba em uma discoteca em Berlim. Um líbio confessou a autoria do ataque na época, mencionou o nome de Abouajela Masud e falou que ele tinha a pele escura. Isso confirmava as informações que eu tinha da investigação de Lockerbie."

"Tentei encontrar essa pessoa, que ainda estava em Berlim, e criar um relacionamento com ele para ver se ele me levava a Abouajela. Após alguns anos, isso realmente aconteceu."

Para Dornstein, a descoberta da identidade dos dois suspeitos contribui para aplacar algumas das principais dúvidas sobre o atentado. "Acho que agora entendo o suficiente para me sentir satisfeito", disse.

Pedido à Líbia

Um total de 270 pessoas morreram quando o voo 103 da Pan Am, que ia de Londres para Nova York, explodiu na noite de 21 de dezembro de 1988 sobre Lockerbie, no sul da Escócia, matando todos a bordo e 11 pessoas no solo.

Al-Senussi, um dos suspeitos identificados recentemente, era cunhado e chefe de inteligência no regime de Khadafi. Atualmente, ele está no corredor da morte em uma cadeia líbia.

Masud estaria cumprindo sentença de dez anos na Líbia por fabricar bombas.

Um porta-voz do Crown Office, a Procuradoria pública escocesa, confirmou que autoridades escocesas e americanas concordaram que as leis dos dois países oferecem bases para que "tratem os dois líbios como suspeitos nas investigações atuais sobre o ataque ao voo 103 da Pan Am em Lockerbie".

Em uma comunidade, o Crown Office disse que os dois países pediram o auxílio da Justiça líbia para interrogar os dois suspeitos em Trípoli.

O procurador-geral da Líbia não quis falar à BBC sobre se o pedido já foi recebido e se o governo ajudaria a investigação.

A Líbia vive instabilidade política desde a derrubada Khadafi, em 2011. Eleições gerais em 2014 produziram dois governos rivais - atualmente, milícias islâmicas e seculares brigam pelo controle do país.

Justiça

Abdelbaset Al-Megrahi foi chefe de segurança da companhia aérea Libyan Arab Airlines e diretor do Centro de Estudos Estratégicos em Trípoli. Em 2001, ele foi condenado à prisão perpétua pela morte das vítimas de Lockerbie, em um julgamento questionado repetidas vezes nos anos seguintes.

As evidências contra Al-Megrahi chegaram ser a postas em dúvida em livros e documentários, mas nunca foram questionadas oficialmente por autoridades do judiciário, segundo o Crown Office escocês.

Ele foi liberado da prisão em 2009, após ter sido diagnosticado com um câncer terminal, e faleceu em maio de 2012, em Trípoli.

Entre os familiares das vítimas, os questionamentos relacionados à condenação de Megrahi contribuíram para uma sensação de impunidade e de dúvidas quanto a se a descoberta de novos suspeitos resultará em condenações.

"Acho que é preciso que disponibilizem as provas do porquê estes dois são considerados suspeitos", disse à BBC Jim Swire, cuja filha morreu na explosão.

"Muitos neste país simplesmente não acreditam que Megrahi estivesse envolvido e acham que isso foi um erro da Justiça. Tentar colocar mais dois nomes em cima disso tudo é uma situação muito difícil. Isso terá que ser embasado em provas melhores do que as que foram produzidas para condenar Megrahi", afirma.

Frank Duggan, presidente da associação dos parentes das vítimas do voo Pan Am 103, disse à rádio BBC Escócia que não acredita que novas condenações deverão acontecer.

"Eu gostaria de pensar que sim, mas eles teriam que ser acusados pelo governo americano ou pelo governo escocês e o governo líbio teria que entregá-los - os líbios sempre disseram que não entregariam ninguém a um governo estrangeiro."

"E já se passaram mais de 26 anos. É muito tempo, as pessoas estão mortas, suas histórias foram esquecidas. Eu gostaria de pensar que seria um pequeno passo para conseguir encerrar o assunto, mas não espero mais a justiça que todos queríamos."