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Japonês eremita toma conta de cidade abandonada na selva amazônica

Por Melina Castro e Lucas Amorelli

De Airão Velho, no Amazonas

29/12/2015 07h50

 

A cidade de Airão Velho, no Estado do Amazonas, teve seu auge há mais de 100 anos e sua decadência econômica traduziu-se na partida dos moradores. Hoje, um único homem vive ali e tornou-se o guardião do local. 

Shigeru Nakayama tem 62 anos e chegou ao Brasil há mais de 50 anos. Nasceu em Fukuoka, no sul do Japão, e mudou-se durante o grande fluxo migratório de japoneses no começo dos anos 1960. 

O Japão, à época, passava por dificuldades econômicas e o Brasil precisava de mão de obra na agricultura. Sua família, então, assentou-se no Pará. 

No início dos anos 70, ele e um grupo de amigos partiram para a Amazônia em busca de trabalho, e estabeleceram-se às margens do Rio Negro. 

Chegou a Airão Velho em 2001, quando a cidade já estava abandonada havia quase 70 anos. O vilarejo teve seu auge econômico durante o período do Ciclo da Borracha, quando a região era movida pela exploração do látex. 

Com o declínio da produção, aos poucos, quem morava ali se mudou para outras regiões. 

Airão Velho, a 180 km de Manaus, também foi berço da colonização portuguesa, como pode ser visto no único cemitério do local, onde estão enterradas gerações inteiras.

A família lusitana Bizerra "mandava" na cidade e um de seus últimos membros viveu ali até meados do século 20. Foi um deles que pediu, pessoalmente, a Nakayama que cuidasse dali. E ele aceitou.

"Meu sonho desde criança era viver na floresta amazônica", diz ele, em seu carregado sotaque japonês. "Se eu sair, a história morre". 

Nakayama diz ter tido ajuda de dois amigos para avançar sobre o mato que havia tomado Airão Velho.

"Tudo estava completamente abandonado havia mais de 40 anos", diz. 

Hoje, recebe e guia turistas, a maioria estrangeiros, mas recusa-se a cobrar entrada. Em troca, recebe comida e doações dos visitantes. 

Em sua pequena casa de madeira, de apenas três cômodos e chão de terra, montou um pequeno museu onde reuniu objetos históricos recolhidos nas imediações.

Dorme em uma modesta cama de solteiro, gasta pelo tempo. Planta o que come - longe dali, diz, já que a área é de preservação ambiental. E, todos os dias, cuida de "sua" cidade, andando sempre com um facão - ou terçado, como dizem amazonenses - como forma de proteção.

A tecnologia quase não existe por ali, a não ser pelo pequeno televisor movido por um gerador de energia e um antigo rádio de pilhas.

"Airão é um patrimônio histórico. Plantação, roçar, derrubar floresta, é completamente proibido. Do jeito que está, tem que deixar assim. É área de patrimônio".

E diz temer que um dia o local seja esquecido e novamente abandonado: "Se eu sair, a história daqui morre. Todo mundo sabe disso".