'Imagem internacional do Brasil nunca esteve pior', diz brasilianista Kenneth Maxwell
No dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi diretamente atingido pela operação Lava Jato, o historiador britânico e brasilianista Kenneth Maxwell disse que "a imagem internacional do Brasil nunca esteve pior".
A operação da Polícia Federal na casa do petista marca, segundo ele, a fase mais séria da Lava Jato. E acontece um dia depois de o escândalo se aproximar do "coração do governo" - com a suposta menção a Lula e à presidente Dilma Rousseff no acordo de delação do senador Delcídio Amaral e a divulgação dos resultados econômicos que mostraram a "pior crise econômica em meio século".
Mas não é só isso: há ainda a epidemia de zika, o envolvimento de brasileiros nos escândalos da Fifa e problemas nos locais de competição dos Jogos Olímpicos do Rio, por exemplo.
"A imagem do Brasil tende a ir da euforia para premonições de desastre", afirma Maxwell, fundador do programa de estudos brasileiros da Universidade Harvard.
"É a crise mais séria do Brasil desde o suicídio de Getúlio Vargas na metade dos anos 1950, e que levou a um impasse responsável posteriormente por quase duas décadas de governo militar."
Veja abaixo os principais trechos da entrevista, concedida à BBC Brasil via e-mail.
BBC Brasil - Na quinta-feira, o Brasil anunciou o pior resultado econômico em pelo menos 20 anos, o senador Delcídio Amaral (PT) implicou o ex-presidente Lula e a presidente Dilma Rousseff na negociação de sua delação premiada; um dia depois, a Polícia Federal realizou uma grande operação na casa de Lula. Como o senhor vê isso?
Kenneth Maxwell - É de fato a "tempestade perfeita". A busca feita pela Polícia Federal na casa de Lula, assim como no Instituto Lula, marca a fase mais séria até agora da Operação Lava Jato, que investiga os múltiplos tentáculos políticos e econômicos do gigantesco escândalo de subornos e propinas da Petrobras.
O acordo de delação do antigo líder do PT no Senado, Delcídio Amaral, aparentemente ligou o ex-presidente Lula e a presidente Dilma diretamente a um esquema para desacreditar e prejudicar a investigação de Moro. Se isso for verdade - até agora as evidências estão em informações vazadas à imprensa - o escândalo atinge o coração do governo. Isso fortalece os pedidos pelo impeachment de Dilma. Mas além de outras coisas, Dilma é certamente muito teimosa, e ela não vai desistir facilmente.
E as alternativas constitucionais também são impalatáveis. Há tentativas de retirar o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acusado de corrupção e o terceiro na linha de sucessão de Dilma (depois do vice-presidente) se ela sair do poder, mas ele é um mestre do obstrucionismo processual e também não vai desistir fácil. E o maior partido da oposição, o PSDB, que perdeu as últimas eleições, também tem muitos esqueletos no armário. É um impasse trágico.
Que consequências isso pode ter para a situação política e econômica do Brasil?
Não são boas. O Brasil vive sua pior crise econômica em meio século. E o ambiente internacional tampouco tem ajudado, ante o colapso do preço do barril do petróleo que agravou muito os problemas da Petrobras, e a redução de ritmo da economia chinesa, maior parceira comercial do Brasil.
O problema não é que o Brasil não tenha muitos indivíduos excelentes, tanto no setor privado como no público, mas é o modelo de intervenção excessiva do Estado e a relação promíscua entre o governo e as grandes construtoras, e entre estas e as corporações estatais - e, possivelmente também os bancos estatais - que ofereceu um pote de mel para os políticos, todos prontos para obter vantagens pessoais e políticas.
O PT não inventou a corrupção no Brasil, mas obviamente foi corrompido pelo exercício do poder. É difícil ver um resultado favorável no curto prazo. Mas o fato que deverá ser esquecido é que os governos do PT trouxeram melhorias reais nas condições de vida dos muito pobres no Brasil.
O antagonismo em relação ao PT é intenso há anos entre os brasileiros ricos, especialmente no sul e centro do país. Existem antagonismos profundos - regional, racial e de classe - envolvidos. E o risco de piorarem com a crise econômica e a paralisia política persiste.
E a imagem internacional do país?
A imagem internacional do Brasil não poderia ser pior. A crise também envolve a disseminação rápida do vírus zika e a crise na saúde pública. Há ainda caso na Corte Federal de Nova York envolvendo a Petrobras, o envolvimento profundo dos brasileiros nos escândalos da Fifa e a investigação destes escândalos do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do FBI.
Também há os problemas com a finalização das obras dos Jogos Olímpicos em agosto no Rio de Janeiro, a poluição crônica da Baía de Guanabara. A falta de saúde pública e a falta de confiança no governo.
A imagem do Brasil tende a ir da euforia às previsões de desastre. Na realidade, nunca é tão boa ou tão ruim, e o Brasil é um país vasto onde algumas coisas funcionam bem e onde há uma esperança permanente no futuro. Mas atualmente é muito difícil encontrar algo positivo em meio ao tsunami de notícias ruins.
E quanto a Lula? Sua imagem internacional será prejudicada?
A imagem de Lula já está manchada e, mais importante, dentro no Brasil. Sua popularidade, que estava no ponto máximo quando ele deixou o cargo, caiu muito nos últimos meses.
Em parte, isto é o resultado do ataque constante na mídia. Mas é também resultado das prisões e sentenciamentos de políticos e empresários devido ao escândalo da Petrobras, que ficou cada vez mais próximo de Lula e Dilma.
Se Lula estava envolvido em um caso de acobertamento, como (o ex-presidente americano) Richard Nixon, e isso ainda não sabemos, será difícil ver uma recuperação de sua reputação.
O quanto a posição do governo ainda é sustentável depois dos últimos acontecimentos?
No momento o governo está paralisado pela crise política e por sua incapacidade de agir para mitigar a crise econômica. E o pior é que há pouca clareza no momento sobre qual poderia ser um desfecho mais positivo.
A única coisa que pode ser dita com certeza é que a crise vai piorar antes de chegarmos a qualquer resolução viável e politicamente sustentável.
É a crise mais grave que o Brasil enfrenta desde o suicídio de Getúlio Vargas, no meio da década de 1950, e que levou ao impasse que gerou duas décadas de regime militar. Ninguém está prevendo uma volta desta história triste, mas, sem dúvida, há muito em jogo no país em termos políticos e econômicos.
O sr. acha que a situação pode melhorar em um futuro próximo?
Não.
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