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Grampo revela "fragilidade total" de proteção a dados no Planalto

A presidente Dilma Rousseff mexe no telefone do ministro Afif Domingos (Micro e Pequena Empresa), durante evento em 2014 - Pedro Ladeira/Folhapress
A presidente Dilma Rousseff mexe no telefone do ministro Afif Domingos (Micro e Pequena Empresa), durante evento em 2014 Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Thiago Guimarães

Da BBC Brasil em Londres

27/03/2016 16h52

As gravações de conversas telefônicas da presidente Dilma Rousseff mostram que a segurança da informação da principal instituição do Brasil varia entre "frágil" e "inexistente".

Para Silvio Meira, professor do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco, é "inconcebível" que a líder de um dos maiores países do mundo "fale com um telefone que não sabe de quem é nem a quê esse aparelho está submetido".

"A fragilidade é total. Você tem uma situação em que o presidente da República corre o risco de ser gravado por alguém vigiado pela Polícia Federal numa das maiores investigações criminais da história do Brasil e onde claramente existia um potencial gigantesco dessa conversa ser gravada", disse Meira à BBC Brasil.

As conversas de Dilma captadas pela PF integram uma série de interceptações telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, incluídas no inquérito da Operação Lava Jato. A Justiça Federal do Paraná divulgou os áudios e as transcrições na semana passada. No diálogo mais polêmico, Dilma diz a Lula que enviará seu "termo de posse" como novo ministro da Casa Civil, para uso "em caso de necessidade". Investigadores interpretaram o diálogo como tentativa da presidente de evitar eventual prisão do antecessor.

Para Meira, o Brasil deveria se espelhar nos EUA, onde todas as conversas de interesse do Estado mantidas pelo presidente são seguras (criptografadas). Os diálogos não são gravados, segundo o especialista, mas a Casa Branca produz transcrições informais."O presidente americano fala em comunicações seguras, como o primeiro-ministro da Inglaterra, França e Alemanha, mas não tem o direito de falar o que quiser sozinho. Ele não pode, por exemplo, ligar para outro e combinar um ataque nuclear, há todo um protocolo de comunicações de Estado, um grau de sofisticação alto", afirma.

Sistemas de proteção

Criptografia é uma maneira de aprimorar a segurança de uma mensagem ou arquivo. A tecnologia embaralha o conteúdo para que ele só possa ser lido por quem tenha a chamada chave de criptografia, necessária para desembaralhá-lo.

A Abin (Agência Brasileira de Segurança) oferece uma série de equipamentos que podem garantir a segurança da comunicação da presidente e de funcionários de alto escalão. Há, por exemplo, telefone fixo e aplicativo para smartphones com criptografia de voz e dados, que empregam algoritmo matemático de propriedade e uso exclusivo do Estado brasileiro.

Questionada sobre os motivos pelos quais a presidente não usa a tecnologia oferecida pela Abin, como o telefone seguro, a Secretaria de Imprensa do Planalto informou apenas que "não comenta assuntos que possam interferir na privacidade ou na segurança da Presidência da República".
Procurada pela reportagem, a Abin, que é sucessora no período democrático do SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão de espionagem da ditadura militar (1964-1985), também não comentou.

Segundo Meira, para a conversa entre Lula e Dilma ser considerada segura, ambos teriam que ter usado telefones criptografados ou aplicativos de criptografia no smartphone. Segundo a Justiça Federal do Paraná, o telefone grampeado era usado com frequência pelo ex-presidente e pertence a um assessor do Instituto Lula.

Ironia de Snowden

O grampo envolvendo Dilma e Lula foi alvo de um comentário irônico de Edward Snowden, ex-assessor da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês).

29.set.2015 - Edward Snowden estreia conta no Twitter - Twitter/Reprodução - Twitter/Reprodução
Edward Snowden abriu sua conta no Twitter em setembro de 2015
Imagem: Twitter/Reprodução

Em 2013, Snowden divulgou documentos ultrassecretos que mostram que a NSA teria espionado comunicações de Dilma e de outros líderes mundiais. Na época, os vazamentos causaram revolta no governo brasileiro e esfriaram as relações entre Brasil e EUA – Dilma chegou a cancelar uma visita de Estado a Washington em razão do episódio.

"Going dark (ficando no escuro, na tradução em português) é um conto de fadas. Três anos depois das manchetes de grampos de @dilmabr ela ainda está fazendo chamadas não criptografadas", escreveu Snowden no Twitter. A expressão "going dark" remete ao uso de criptografia.

Meira afirma que o Brasil não avançou – e provavelmente até retrocedeu - em segurança da informação desde as revelações de Snowden. "De lá para cá, por exemplo, o sistema de e-mail de agentes de Estado que deveria ter mudado para sistema fechado, criptografado, continua igual. Continuamos mandando e-mail para agentes públicos em ministérios, em nível bastante alto, usando serviços como Gmail."

O especialista diz que não se trata de um problema de tecnologia, mas de implementação de processos, pois os recursos para tornar as comunicações seguras estão disponíveis. Ele cita, por exemplo, que há aplicativos simples para criptografar troca de informações (voz e dados) por smartphones. "Não é um problema tecnológico, esse está resolvido há muito tempo. É de processos, métodos, compliance (política interna), responsabilização. É outro problema."

Segurança nacional

Na primeira viagem após a divulgação dos grampos de Lula, na semana passada, a presidente Dilma criticou a interceptação de suas conversas e afirmou que se trata de um crime contra a Lei de Segurança Nacional.

Para Meira, engenheiro eletrônico pelo ITA, mestre em informática pela UFPE e doutor em computação pela Universidade de Kent (Inglaterra), o problema é outro.

"O problema que deveria estar sendo discutido por causa dessas gravações é como as comunicações da Presidência da República são tão rudimentares e estão sujeitas a tão poucos crivos a ponto de a presidente estar falando com telefones de quem a priori não se sabe nem de quem são?", questiona.

Informada sobre as declarações do professor, a Presidência da República não comentou.