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A surpreendente dívida de gratidão de traficantes com um instrutor de skate

18/07/2016 12h17

Aos 14 anos, Sandro Testinha viu jovens da cidadezinha onde mora, Poá, extremo Leste da Grande São Paulo, descerem a ladeira de skate. Dali em diante, as quatro rodinhas viraram a razão de vida de Sandro e sua família.

Para além de todas as manobras – ollie, back flip, slide - Sandro percebeu que o esporte poderia provocar um salto de qualidade na vida de jovens da periferia. E decidiu bancar riscos. O maior deles, talvez, pedir a traficantes para desocupar uma quadra de esportes abandonada.

"Na virada do ano de 99 pra 2000, um amigo meu descobriu que ia ter uma demonstração de skate na então Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), palco de rebeliões violentas, onde interno já tinha cortado a cabeça de outro interno e jogado pro lado de fora do muro", lembra Sandro.

"E aí ele falou, vamos tentar entrar juntos com os skatistas pra saber como é lá."

"O que nós vimos lá foi 90% de jovens e adolescentes parecidos conosco, de origem, classe social, e esteticamente também."

Então qual era a diferença entre ele e os menores infratores? O que teria feito com que aqueles jovens tivessem caído do buraco do crime? Sandro acredita que foi o skate que o manteve no melhor caminho.

Missão

Depois de mais de uma década trabalhando como voluntário, ensinando o skate dentro da Febem, Sandro fundou com a esposa, a pedagoga Leia Vieira, a organização Skate Social.

"O trabalho deixou de ser um trabalho, e virou a missão", diz Leila, que acompanha de perto o desempenho escolar das quase cem crianças participantes do projeto.

Diante da enorme adesão das crianças do bairro, foi preciso buscar mais espaço. A quadra abandonada, ao lado de um enorme viaduto, seria uma opção.

"Só que lá era um ponto de tráfico de drogas. E aí, eu falei com a Leila e a gente resolveu, vamos lá falar com a galera do tráfico."

Reconhecimento

Durante a conversa, Sandro foi reconhecido pela liderança do tráfico local. Jovens que trabalhavam no comércio de drogas já haviam participado das aulas de skate quando eram internos da Febem.

"E aí daquele sábado em diante eles passaram a não vender mais drogas ali, até brincam que a gente acabou com o tráfico ali sem disparar um tiro."

Marcelo José da Silva é um dos jovens atendidos pelo projeto. Foi preso três vezes - a mais recente, por roubo de carros.

"Quando eu tô em cima do skate, é uma emoção, a vibe que você sente, uma adrenalina, de você acertar uma manobra, e estar ali tentando ela o dia inteiro. Aí você acerta, dá a maior felicidade", diz ele, que diz ter se livrado da vida no crime através do skate.

Para Sandro, o trabalho da ONG só existe "por incompetência de governos e governantes, que não oferecem esse direito básico para crianças e jovens".

"Chega o braço das drogas, do crime organizado, e o braço independente de trabalhos como o nosso, e isso acaba fazendo com que a procura seja grande."