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Clarice Lispector, 95 anos

A escritora Clarice Lispector - Folhapress
A escritora Clarice Lispector Imagem: Folhapress

Ricardo Domeneck

10/12/2015 11h56

Considerando as circunstâncias em que a vida de Clarice Lispector começou, sua trajetória tem um caráter quase miraculoso. Um dos maiores nomes da literatura brasileira recentemente se tornou também ícone internacional.

Clarice Lispector completaria hoje 95 anos. Eventos em várias cidades marcarão a data. Segundo a Editora Rocco, há eventos programados em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, e ainda em Nova York, Cidade do México e Paris. O lançamento de suas "Complete Stories" (Histórias Completas) nos Estados Unidos e no Reino Unido foi saudado por publicações como o "New York Times" como um dos acontecimentos literários deste ano. A Rocco promete o lançamento brasileiro dos seus contos num volume único em 2016.

Se consideradas as circunstâncias em que a vida de Clarice Lispector começou, sua trajetória tem um caráter quase miraculoso. Nascida em uma cidade minúscula da Ucrânia, fugindo de pogroms (massacres étnicos) contra a população judaica do continente eurasiano, concebida para curar a mãe sifilítica, chegando ao Brasil como imigrante pobre, sem falar a língua --o nascimento e a sobrevivência desta mulher parecem tão excepcionais quanto sua obra. Tinha o mundo contra si, mas ao morrer, aos 57 anos, havia doado à língua portuguesa e à literatura mundial alguns dos textos mais assombrosos do seu século.

Não é literatura para todos, apesar de sua imensa popularidade. Mesmo sua popularidade é um caso estranho, estando entre os poucos autores que geram tanto o entusiasmo de especialistas quanto a paixão dos mais simples leitores.

Em sua entrevista já mencionada muitas vezes, ela se refere a uma leitora de 17 anos que tinha por livro de cabeceira seu romance "A Paixão segundo GH" (1964), o mesmo livro discutido com profundidade por um filósofo e crítico brasileiro como Benedito Nunes. São dois exemplos do alcance amplo de sua escrita.

O fenômeno em torno de seu nome vinha crescendo desde a publicação da biografia de Benjamin Moder, "Why This World: A Biography of Clarice Lispector" (Por que este mundo: uma biografia de Clarice Lispector), lançada em 2009 nos Estados Unidos, seguida de novas traduções para cinco de seus maiores romances.

No Brasil, a biografia foi lançada no mesmo ano pela editora Cosac Naify com o título "Clarice". Mas o que se viu com a publicação de seus contos reunidos foi espantoso: o primeiro autor brasileiro na capa do New York Review of Books, recebeu resenhas entre Los Angeles e Sydney, passando por Londres.

Escritora brasileira para o mundo

Benjamin Moser acredita que ainda serão necessárias gerações de professores, jornalistas, críticos e leitores falando e escrevendo sobre Clarice Lispector para que ela tenha um papel no cânone ocidental como Kafka, Joyce ou Woolf.

"O que quis fazer primordialmente foi informar as pessoas que a obra de Clarice Lispector existe, tornar seus livros acessíveis em boas traduções, especialmente em minha própria língua. Prover um contexto crítico e biográfico para que ela fosse compreendida. E então deixar que sua obra mesma fizesse seu caminho pelo mundo", disse o biógrafo e tradutor à DW Brasil.

Moser certamente fez sua parte, traduzindo novamente "A Hora da Estrela" (1977) e coordenando para a editora norte-americana New Directions, além da Penguin na Inglaterra, traduções para "Perto do Coração Selvagem" (1943), "A Paixão segundo GH" (1964), "Água Viva" (1973) e "Um Sopro de Vida" (1978), assim como a edição dos contos reunidos (muito bem traduzidos por Katrina Dodson).

Uma parte central da obra de Clarice Lispector está agora disponível a todos os que falam inglês. As próximas traduções e publicações, segundo o norte-americano, serão "O Lustre" (1946), "A Cidade Sitiada" (1949) e "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" (1969).

Clarice na Alemanha

Com o ímpeto que a Clarice anglófona tomava no mundo e a participação do Brasil como convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt em 2013, a autora foi uma das que receberam mais visibilidade oficial naquele ano na Alemanha. Foram lançadas a biografia de Moser e traduções novas para seus dois primeiros romances, com os títulos "Nahe dem wilden Herzen", traduzido por Ray-Güde Mertin e Corinna Santa Cruz, e "Der Lüster", em tradução de Luis Ruby.

A editora Schöffling & Co. anunciou para fevereiro de 2016 uma nova tradução de "A Hora da Estrela", com o novo título "Der große Augenblick". As novas traduções na Alemanha podem não ter sido recebidas com o estardalhaço que receberam nos EUA, mas houve artigos entusiasmados em jornais importantes, como o "Frankfurter Allgemeine Zeitung" e o "Süddeutsche Zeitung".

Por décadas, o autor brasileiro mais conhecido no mundo foi Jorge Amado, primeiramente por seus romances engajados na Alemanha oriental e, mais tarde, na Alemanha ocidental, com o sucesso de "Dona Flor e seus Dois Maridos" (1966).

Nos últimos anos, o sucesso do filme "Cidade de Deus" catapultou Paulo Lins para o cenário internacional, e Paulo Coelho seguiu sendo o best-seller do país.

Agora, Clarice Lispector desperta a paixão em novos leitores pelo mundo, assim como conquista novos leitores a cada geração no Brasil.

Sobre o legado de Clarice Lispector hoje, uma das maiores autoras brasileiras vivas, Márcia Denser, a autora de "O Animal dos Motéis", de 1981, escreveu: "Clarice Lispector jamais foi minha leitura de sustentação, ela não integra meu paideuma composto por Faulkner, Fonseca, Cortázar, Capote. Mas Clarice é uma escritora essencial: você pode não gostar dela, mas Lispector continuará lá, intacta, perfeita como uma laranja pode ser perfeita: nada a acrescentar, nada a tirar."