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Incertezas pairam no ar a dois dias de um acordo climático global

Michel Euler/AP
Imagem: Michel Euler/AP

Nádia Pontes, de Paris

10/12/2015 07h26

Países ricos e pobres se unem em coalização liderada pelos EUA e deixam Brasil, China e Índia de fora. Rascunho de acordo climático entra em dia decisivo com muitos pontos incertos.

O discurso de John Kerry, secretário de Estado dos EUA, no meio da tarde desta quarta-feira (08/11) na Conferência de Clima, COP21, foi o prenúncio de que as negociações em Paris seguem mornas às vésperas do fim do prazo para o anúncio de um acordo global.

Em nome do presidente Barack Obama, Kerry pediu que todos os países se unissem para criar um acordo mais ambicioso e que se juntassem à "coalização de alta ambição" (High Ambition Coalition). Trata-se de uma espécie de "grupo secreto" formado por 100 países que dizem lutar por um pacto forte em Paris. União Europeia e nações em desenvolvimento, como México, Colômbia e países africanos fazem parte. Brasil, China e Índia estão de fora.

"A natureza está soando alarmes cada vez mais altos e nos avisa que o tempo está acabando", disse, se referindo às mudanças climáticas. "Podemos fazer muito mais nas próximas horas", pediu.

Uma hora depois do discurso, o rascunho do acordo negociado pelos ministros foi divulgado, e a suspeita se confirmou: ainda há muito que ser feito para que o acordo atenda às expectativas, segundo avaliaram as entidades presentes na COP21.

O limite de aumento de temperatura que os países irão perseguir até o fim do século ainda está aberto - se abaixo de 1,5? C ou até 2?C. Esse debate significa a vida ou a morte para países insulares que podem desaparecer com a elevação do nível do mar.

O rascunho também não define um objetivo de longo termo para afastar o risco dos impactos trazidos pelas mudanças climáticas - quando os combustíveis fósseis devem ser eliminados, por exemplo, ou a partir de quando as fontes renováveis de energia serão dominantes.

O discurso de Kerry, que durou quase uma hora, deixou a impressão geral de que os Estados Unidos estão empenhados num acordo. Na ocasião, ele anunciou que o país vai dobrar até 2020 o financiamento para o fundo de adaptações às mudanças climáticas para nações mais afetadas.

"Os EUA parecem querer um acordo aqui, reconhecem o que é mais importante para países vulneráveis", comentou Jeniffer Morgan, diretora do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês).

A briga na confecção do texto que selará o acordo global está nos detalhes da linguagem, na conjugação de cada verbo. Os países emergentes, como Brasil, China e Índia, podem, devem ou querem contribuir com o fundo do clima? São pontos divergentes que emperram a negociação.

Liderança do Brasil questionada

Para diversos representantes de delegações ouvidos pela reportagem, o Brasil está num papel difícil. A delegação brasileira foi nomeada pela presidência francesa para facilitar o diálogo entre os países em torno do termo "diferenciação": as responsabilidades de países mais ricos, emergentes e pobres nesse esforço para conter as mudanças climáticas.

"O Brasil faz bem esse trabalho, tem tradição, mas é muito difícil encontrar um equilíbrio entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, ainda falta uma solução definitiva", analisa Wendel Trio, da Climate Action Network Europa.

Para representantes da Avaaz, ONG que reuniu 3,6 milhões de assinaturas de pessoas que defendem o uso de 100% de energias renováveis, a atuação brasileira ainda não atendeu às expectativas.

"O país tem a maior delegação aqui na COP21, mas está muito quieto, contido, só ouvindo o que o BASIC [Brasil, África do Sul, Índia e China] tem a dizer em vez de assumir a liderança", criticou Sam Barrat.

A expectativa era de que o país assumisse um protagonismo maior em Paris, um discurso mais ofensivo para convencer os negociadores a aceitar um texto mais ambicioso. Esse papel pode estar sendo feito nos bastidores, longe dos microfones, avalia Wendel Trio. De fato, a delegação brasileira ainda não falou oficialmente com imprensa em detalhes sobre as negociações que lidera.

Até o momento, o rascunho do acordo que vai limitar as emissões de gases estufa no mundo e propor um novo modelo de desenvolvimento tem 29 páginas. A presidência da COP21, dirigida pelo francês Laurent Fabious, quer que tudo esteja pronto até esta quinta-feira à noite, para que o anúncio oficial ocorra no dia seguinte. Os participantes da conferência já não acreditam que isso será possível.