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Caso Aécio é divisor de águas no embate entre Lava Jato e mundo político

Foto: Agência Brasil
Imagem: Foto: Agência Brasil

Jean-Philip Struck

18/10/2017 12h37

Salvação do ex-candidato presidencial, alvo de nove inquéritos, marca nova fase no embate entre Lava Jato e mundo político, com o Congresso com a palavra final. "Porteira foi aberta para a impunidade", diz especialista. Pela segunda vez em menos de três meses, um político brasileiro influente encrencado com a Justiça foi salvo pelos seus pares. Em agosto, a Câmara enterrou a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer. Desta vez, coube ao Senado seguir o mesmo caminho ao salvar o tucano Aécio Neves, alvo de nove inquéritos e contra quem pesava uma ordem de afastamento determinada pela 1º Turma do Supremo.

Por 44 votos contra 26, a Casa decidiu que o tucano deve reassumir seu mandato. O caso Aécio marca um divisor de águas no embate entre a Operação Lava Jato e o mundo político. O quadro começou a ser desenhado na semana passada, quando o plenário do Supremo contrariou a decisão da sua turma e determinou que cabe ao Congresso ter a palavra final sobre a manutenção do mandato. O evento apontou o fim da possibilidade de novos episódios como o afastamento do ex-deputado Eduardo Cunha, determinado exclusivamente pela Justiça.

"Ao recuar dessa maneira, o STF voltou ao papel tradicional de tribunal político, no pior sentido, tal como ocorreu nos anos 30 e na ditadura. A porteira foi aberta para a impunidade”, afirma Roberto Romano, professor de ética da Unicamp.

E, no seu primeiro teste para decidir se decisões de turmas do STF devem ser ou não acatadas, uma das Casas do Congresso mostrou o que está disposta a fazer com esse poder, especialmente quando o político alvo de acusações graves ainda detém influência. Presidente do PSDB, Aécio foi o principal fiador da entrada do partido no governo Temer. Nos bastidores, o Planalto trabalhou para que os senadores do PMDB votassem a favor do tucano.

Inconsistência

O caso Aécio também contrastou com o do ex-senador Delcídio do Amaral. No final de 2015, 59 senadores votaram a favor da manutenção da prisão do então senador, que era filiado ao PT. Desta vez, os membros do Senado explicitaram que seus votos variam de acordo com a pessoa que está sofrendo as acusações e suas cores partidárias.

Vinte e nove que haviam votado contra o petista decidiram na terça se posicionar a favor de Aécio. Outros seis, todos do PT, que haviam votado pela revogação da prisão do seu então colega de partido, desta vez votaram pelo afastamento de Aécio.

"Os senadores estão subvertendo a instituição, cometendo um crime continuado, foi a mais deslavada operação para legislar em causa própria”, diz Romano.

Entre os senadores que votaram para salvar Aécio, 17 figuras estão na mira da Lava Jato, como Romero Jucá (PMDB-RR) e Fernando Collor (PTC-AL). Ao todo 28 senadores alvos de inquéritos no STF votaram a favor do tucano.

"O corporativismo instalado estabelece como regra a defesa dos seus integrantes e não a defesa da instituição. Aqui mora o corporativismo", lamentou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR), que votou pelo afastamento de Aécio.

Impunidade

Com a decisão do Senado, resta aos adversários de Aécio apresentarem um pedido de cassação por quebra de decoro. Mas é improvável que esse caminho seja bem-sucedido. Entre os senadores que votaram a favor de Aécio estava João Alberto Souza (PMDB-MA), justamente o presidente do Conselho de Ética do Senado.

Como chefe da comissão, cabe exclusivamente a Alberto determinar se alguma representação deve ser submetida ao conselho. Em junho, no auge do escândalo dos grampos da JBS, ele decidiu de maneira solitária indeferir um pedido de cassação contra Aécio apresentado pelo PSOL e pela Rede.

"A tendência é só piorar. Vai ser praticamente impossível o STF recuperar sua influência. Casos como o de Aécio tendem a se repetir em todos os três níveis, do vereador ao deputado federal”, disse Romano.

Em outra frente, o governo vem atuando para influenciar o STF a rever a decisão que determinou o início do cumprimento de pena em regime fechado para condenados em segunda instância. Tomada em outubro de 2016, a decisão do Supremo foi encarada pelos membros da Lava Jato como um das conquistas da operação.

O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já indicou que deve mudar seu entendimento sobre a decisão, invertendo o placar de 6 a 5 pela execução das penas após a segunda instância.

"Se o STF modificar o entendimento atual (...) nem Lula nem Cunha irão presos. Esta é a atual batalha que a Lava Jato enfrenta, e talvez a maior de todas", disse o procurador Carlos Fernando Dos Santos Lima, membro da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Renascido das cinzas

Há cinco meses, Aécio, que recebeu 51 milhões de votos nas eleições presidenciais de 2014, parecia ter chegado ao fim a linha. Em maio, gravações divulgadas por Joesley Batista revelaram que o senador pediu dois milhões de reais ao empresário, mesmo depois das revelações do caso Odebrecht. Aécio também afirmou que estava "trabalhando como um louco" para aprovar uma anistia ao caixa dois no Congresso.

As gravações também revelaram outros aspectos sobre o caráter do senador. Autor do pedido de anulação da chapa Dilma-Temer nas eleições em 2014, que contribuiu para o clima de confronto do Congresso, Aécio foi flagrado nos grampos afirmando que a representação foi feita apenas para "encher o saco".

No dia seguinte, agentes da Polícia Federal reviraram várias propriedades do Senador. Andrea Neves, irmã e colaboradora política do senador, acabou sendo presa. Um primo também foi detido. A Procuradoria-Geral da República pediu ao STF a prisão do tucano, mas o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato, entendeu que ele só poderia ser detido em flagrante, e se limitou a afastar o tucano das suas funções.

A partir daí, começou a costura para salvar Aécio. No final de maio, o ministro Marco Aurélio decidiu devolver o mandato do tucano. Em junho, foi a vez de o Conselho de Ética do Senado arquivar o pedido de cassação. No mesmo período, um dos inquéritos contra o Senador foi sorteado para o ministro Gilmar Mendes, a quem Aécio pediu ajuda para influenciar na aprovação de um projeto contra abuso de autoridade que mirava na atuação de juízes e procuradores.

Em setembro, um revés temporário: a 1º turma do STF aceitou um novo pedido de afastamento e determinou que o senador tivesse que ficar em recolhimento noturno em sua casa. Dias depois, o plenário do STF deu novo fôlego ao tucano ao determinar que seu futuro fosse decidido pelos seus colegas no Senado.