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Marcada por tragédia, cidade na Colômbia quer reconciliação com as Farc

Em foto de março de 2002, imagem de uma virgem católica aparece entre escombros de igreja de Bojayá - Luiz Acosta/ AFP
Em foto de março de 2002, imagem de uma virgem católica aparece entre escombros de igreja de Bojayá Imagem: Luiz Acosta/ AFP

Gonzalo Domínguez Loeda

Em Bojayá (Colômbia)

12/10/2016 10h15

No dia 2 de maio de 2002, a pequena Bojayá mudou sua face para sempre quando, no meio de um combate entre paramilitares e as Farc, os guerrilheiros lançaram um explosivo na direção de uma igreja, matando mais de 100 civis que se refugiavam dentro dela. Hoje seus moradores querem virar a página desta triste história e serem símbolos da reconciliação.

"Em 2002 havia tanta dor e tanta carne destroçada, foram perdidas tantas vidas que, neste momento, já não queremos que essa tragédia continue a se repetir", disse Tereiza Mosquera, uma das sobreviventes daquele dia.

Mosquera faz parte das Alabaoras de Bojayá, um grupo vocal feminino que trabalha para formar a nova imagem da cidade. Elas foram a voz das vítimas na assinatura do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) no último dia 26 de setembro em Cartagena das Índias.

Lá elas tomaram a palavra para festejar uma paz que parece fundamental para a cidade de 5 mil habitantes localizada no coração do conflito colombiano.

Pelas ruas de Bojayá, que se mudou para alguns metros mais ao norte de sua localização original, passaram guerrilhas como as Farc e o Exército de Libertação Nacional (ELN), além das paramilitares Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC).

Pouco lhes importou que o departamento (Estado) do qual faz parte, o inóspito Chocó, seja um dos mais pobres da Colômbia ou que sua economia dependa quase que exclusivamente da agricultura de subsistência.

Camuflados pelo frondoso tapete verde que forma a selva e abrigados pelo rio Atrato que conecta a região, todos esses grupos armados se apoderaram do Chocó em geral e de Bojayá em particular, sem levar em conta a vida de seus moradores.

Assim aconteceu em 2002, quando as AUC usaram os moradores como escudos humanos e se entrincheiraram no núcleo urbano para tentar aumentar o território sob seu domínio.

Também não foi motivo de preocupação para as Farc, que decidiram retomar a cidade a sangue e fogo com uma centena de homens e artilharia pesada.

Testemunhas mudas desses combates, os moradores de Bojayá se refugiaram na igreja, que pensavam que era o único refúgio seguro.

Nenhum dos adversários se importou; os paramilitares instalaram um posto forte a apenas alguns metros e as Farc dispararam contra eles uma série de explosivos. Um deles caiu no templo e causou a morte de entre 74 e 119 pessoas, pelo menos 30 crianças.

"Os primeiros momentos são os que a memória gostaria de esquecer, mas estão gravados no imaginário, e em algumas ocasiões são de dor, mas também de força para continuar avançando rumo a processos de paz duradoura", disse Esterling Londoño, vigário que se encontrava no templo naquele dia.

Como tantos outros, viveu o terror de perto e quase não tem palavras para descrevê-lo, como também não as tem para explicar como o acordo de paz alcançado com as Farc foi rejeitado no referendo de 2 de outubro pela população colombiana.

Esse voto negativo é um dos temas que se repetem nos círculos de cidadãos que sofreram a guerra de 52 anos e que votaram maciçamente para terminar com ela no referendo.

"As cidades votaram 'não' porque é onde estão os ricos (...) essas pessoas que vivem em Bogotá não votam pensando no futuro de nossos filhos, mas nas questões que jogam a paz para trás", disse Aquilino Chaverra, um dos sobreviventes da explosão na igreja.

Chaverra perdeu tudo naquele dia, seu pequeno negócio, um salão de bilhar que era ponto de encontro de jovens, ficou reduzido a cinzas e o obrigou a deixar sua Bojayá natal para instalar-se na nova que floresce com a lembrança da antiga.

"Só quem tem a necessidade de solucionar um problema lhe dá a necessidade devida e é capaz de sacrificar outros elementos que são importantes, mas não tão transcendentais como voltar a viver em paz", acrescentou José de la Cruz Valencia, outro sobrevivente.

Essa é a razão porque considera que as áreas mais afetadas pelo conflito armado votaram "sim" e que "os que só o viram pela televisão se preocupam por outras coisas e se deixam guiar por pessoas que têm outro tipo de interesse".

"Para nós este exercício da paz não é um tema político, é uma questão de vida ou morte", disse.

Transversal para todos eles é uma reconciliação que esses espectadores parecem não aceitar nas cidades; os moradores de Bojayá estão dispostos inclusive a conviver com os assassinos de seus vizinhos e familiares quando estes deixarem a luta armada.

"Em Havana meu coração enrugou um pouco", disse Valencia sobre seu primeiro encontro com os líderes das Farc para que fizessem um ato de constrição e pedissem perdão.

Finalmente fizeram-no em dezembro de 2015, e os cidadãos os viram "notavelmente arrependidos".

"Se assim for, é preciso conviver, mas desde que haja reconciliação e perdão de coração; não só da boca para fora", acrescentou a cantora Mosquera.

Enquanto não chega esse momento, em Bojayá os moradores olham com decepção o resultado do referendo e esperam que os opositores se sentem para negociar com o governo para que encontrem uma saída ao limbo em que se encontra o processo de paz.