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Nobel da Paz à UE reforça a identidade europeia

13/10/2012 15h05

A concessão do prêmio Nobel da Paz à União Europeia (UE) teve muitas repercussões na Europa e no resto do mundo. Afora a reação caricatural dos setores anti-UE (chamados de "eurocéticos" no vocabulário político europeu), entre os quais se destacou, mais uma vez, Vaclav Klaus, presidente da República que considerou a atribuição do Nobel como “um erro trágico”, a maioria dos analistas e dos líderes saudou o acontecimento. Houve, porém, alguns comentários importantes que demonstram certa desconsideração a respeito do papel da UE na paz mundial.

No New York Times, o editorialista sobre assuntos europeus, Jack Ewing, cita Malcom Rifkind, ministro do exterior britânico entre 1995 e 1997, no governo conservador de John Major. Segundo Rifkind, até o fim da Guerra Fria (1989-1992), a NATO (Aliança militar ocidental do Atlântico Norte) foi “quem mais contribuiu” para manter a paz na Europa. Na mesma reportagem, Anne Deighton, da Universidade de Oxford, alega que “não dá para saber” se a UE evitou ou não conflitos militares na Europa. Ora, tal interpretação é excessivamente militarizada e não considera os complexos problemas geopolíticos geridos pela UE.

Assim, nem Jack Ewing, nem seus entrevistados, mencionam a mediação dos líderes europeus e das instâncias européias nas transições democráticas que ocorreram em dois momentos distintos. Primeiro, na queda das ditaduras de direita na Grécia (1974), em Portugal (1974) e na Espanha (1975). Em seguida, no desmonte das ditaduras comunistas dos países da Europa Central, depois da queda do muro de Berlim e do fim da URSS (1989-1991). Sem a existência da identidade europeia e da rede de segurança tecida pelos organismos da UE, tudo seria mais complicado e mais perigoso. Sobretudo, na Europa de Leste.

De fato, além da saída de regimes ditatoriais em plena crise econômica, os países da região incorporavam conflitos étnicos e divergências de fronteiras que, ao longo dos dois últimos séculos, haviam ensanguentado toda a Europa e provocado duas guerras mundiais. Os dois exemplos mais ilustrativos são a fragmentação da Iugoslávia e a reunificação da Alemanha. Na ex-Iugoslávia, onde as instituições europeias tinham pouco impacto e competência, houve guerras, massacres e genocídios que até hoje traumatizam e envergonham os europeus. Na Alemanha Ocidental, que desde os anos 1950 havia sido um dos pilares da construção europeia, as dificuldades foram contornadas de maneira pacífica e, no final das contas, bem sucedidas. De início, tanto Mitterrand como Margareth Tatcher, que na época dirigiam a França e o Reino Unido, temiam que o processo de reunificação da Alemanha – transcorrido entre novembro de 1989 e outubro de 1990 - ressuscitasse velhos devaneios expansionistas em Berlim. Segundo documentos recentemente revelados, em janeiro de 1990, num encontro franco-britânico, Mitterrand disse à Thatcher: "A Alemanha pode se reunificar e até retomar os territórios que perdeu durante a guerra. Ela pode se tornar até maior do que foi sob Hitler".

Porém, ao contrário de Margareth Thatcher, o presidente francês achava que a reunificação alemã era inevitável. Por isso, Mitterrand tratou de negociar os termos da reunificação com o então chefe do governo da Alemanha Ocidental, Helmuth Kohl. Nas suas linhas gerais, o acordo Mitterrand-Kohl seguiu um roteiro geopolítico e econômico. Em troca do acordo de Paris e das instâncias europeias para a união da Alemanha Oriental à Alemanha Ocidental, o governo reunificado alemão, com sede em Berlim, reconhecia definitivamente as fronteiras germano-polonesas e aceitava bancar, com a França e outros países membros da UE, a implantação do euro como moeda única.

Ao fim e ao cabo, pela primeira vez em sua história milenar de flagelos causados pelas invasões vindas do Ocidente e do Oriente, a Polônia ganhou fronteiras seguras e estáveis. Embora complicada, e lastreada por dívidas orçamentárias, a nova Alemanha se reconstituiu pacificamente em torno de Berlim.  Resta o problema mais complicado do euro, que agora faz vacilar todo edifício europeu. Mas é importante sublinhar a declaração feita semana passada pelo comitê do prêmio Nobel:  a União Europeia "contribuiu durante mais de seis décadas para promover a paz e a reconciliação, a democracia e os direitos humanos na Europa”