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O festival marginal americano

Thomas L. Friedman

11/10/2013 00h01

Há um grupo de pessoas com um interesse ainda maior que os democratas de que o presidente Barack Obama prevaleça sobre os republicanos do Tea Party neste confronto em torno do fechamento do governo, e são os republicanos tradicionais.
 
E o que exatamente os conservadores supostamente tradicionais –começando pelo presidente da Câmara, John Boehner, e o líder da minoria no Senado, Mitch McConnell– estão pensando? Se a "ala de Ted Cruz" republicana vencer e forçar o presidente a reduzir a reforma da saúde para que o governo possa voltar a ser financiado, os conservadores tradicionais se verão diante de um futuro terrível.

A curto prazo, eles passariam a receber ordens do senador Ted Cruz, que seria coroado "fazedor de reis" do Partido Republicano se conseguisse fazer Obama ceder um milímetro na reforma da saúde. Cruz e seus aliados do Tea Party passariam a dar as ordens e Boehner se tornaria aquele pássaro muito raro –um Panca (Presidente Apenas Nominal da Câmara).
 
A longo prazo, já que a margem estaria ditando os rumos do partido, os republicanos teriam chance zero de conquistarem a Casa Branca em 2016. Se o país rejeitou a imitação ruim de Mitt Romney de conservador de extrema direita –um hostil à reforma da imigração, reforma da saúde, casamento gay e da grande barganha– imagine como se sairia um extremista real.

 
Finalmente, dada a forma como os republicanos conseguiram redesenhar a seu favor muitos distritos eleitorais, eles podem facilmente manter o controle da Câmara sob quaisquer condições econômicas normais. Mas se eles provocarem um calote do governo americano, uma interrupção dos pagamentos do Seguro Social e uma turbulência econômica em seu esforço para afundar a reforma da saúde –e a maioria dos eleitores culpa os republicanos– isso poderia minar a vantagem obtida pelos republicanos com a alteração dos distritos eleitorais.
 
Em outras palavras, a única coisa que há entre os republicanos tradicionais e um futuro infernal de submissão a Ted Cruz, deixando de ver o interior da Casa Branca e possivelmente perdendo o controle da Câmara, é a recusa de Obama em ceder à chantagem do fechamento do governo armada por Cruz e Companhia. Os republicanos mais pragmáticos, que sabem que isso é um desastre para seu partido, mas não confrontam Cruz e Companhia, criaram esta desculpa fajuta: "Sim, talvez Cruz e o Tea Party tenham ido longe demais, mas ainda é culpa de Obama. Ele é o presidente. Ele deveria ter negociado com eles. Ele precisa liderar".
 
Obama está liderando. Ele está protegendo as próprias regras que são a base de qualquer democracia saudável. Ele está liderando ao não ceder à chantagem, porque se o fizer, ele minaria o princípio do governo da maioria que é o alicerce de nossa democracia. Este sistema garante que a minoria seja ouvida, concorra aos cargos e se torne a maioria, mas também assegura que assim que os eleitores falem, e seus representantes votem –e se forem legalmente contestados, e a Suprema Corte decidir a seu favor– a decisão da maioria é mantida. Uma minoria entre a minoria, que perdeu todos os meios democráticos de firmar sua agenda, não tem direito de agora ameaçar afundar nossa economia se suas exigências não forem atendidas. Se não preservarmos este sistema, nada mais será estável na política americana. Não haveria nada para impedir um futuro Congresso democrata de fazer uso da mesma chantagem para tentar derrubar uma lei aprovada pelos seus rivais republicanos.

O presidente disse que daria ao Partido Republicano uma agenda de negociações que poderia começar quando o governo estivesse financiado e o teto da dívida elevado. Ele está pronto para considerar trocar o imposto sobre dispositivos médicos da reforma da saúde por outra fonte equivalente de receita ou conversar sobre o fechamento das brechas fiscais e reforma dos direitos –tanto para reduzir o déficit quanto para aumentar a receita para investimento em infraestrutura ou ensino pré-escolar. O que Obama não fará e nem deve fazer é pagar para entrar nessa negociação –digamos, abrindo mão do imposto sobre dispositivos médicos– apenas para ajudar Boehner a descer da árvore. Cruz e Companhia alegariam vitória.
 
O motivo para tantos legisladores republicanos tradicionais quererem que Obama dê algo para Cruz e Companhia é por quererem sair desta confusão, mas todos estão com medo de peitar a margem extremista –com sua rede de bullying de apresentadores de talk shows e financiadores ricos. Mas Obama não deve ajudá-los. Apenas os republicanos podem deslegitimar a loucura niilista da base de seu partido. (Eu não exageraria isto, mas acho que Boehner subestima quantos republicanos tradicionais sentem que seu partido está sendo tomado deles pelos radicais –e anseiam por um líder que os enfrente.)
 
Pelo bem do partido e pelo bem do país, os republicanos precisam passar pelo mesmo tipo de guerra civil e repensamento fundamental que o Partido Trabalhista britânico passou –após sucessivas derrotas por Margaret Thatcher– para produzir um "Novo Trabalhismo" e que foi seguido pelos democratas –após sucessivas derrotas para Ronald Reagan– para produzir os "democratas de Clinton".
 
Sim, isso lhes custará caro agora, mas permitirá que prosperem no futuro. Os Estados Unidos precisam de um partido conservador apropriado de centro-direita para contestar o Partido Democrata de centro-esquerda. Sem um partido de oposição saudável –um que esteja pronto para vencer algumas, perder algumas e aprender com suas derrotas, um que tenha uma agenda real para mobilidade para cima, não apenas uma obsessão por impostos mais baixos e uma raiva em ebulição– nosso sistema de dois partidos não funcionará e nem o país.