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Não é só uma 'questão' de Obama

Thomas Friedman

06/05/2014 00h01

Houve ultimamente um festival de comentários lamentando a política externa pusilânime do presidente Barack Obama. Se pelo menos tivéssemos um presidente que andasse a cavalo sem camisa, lutasse com um tigre ou desse uma mordida em um país vizinho, todos nos sentiríamos muito mais seguros. Meritíssimo, eu me levanto em defesa - parcial - do senhor Obama.

Deixe-me começar fazendo uma pergunta que já fiz sobre outros países: a política externa americana atual é como é porque Obama é como é (cerebral, cauteloso, desapaixonado), ou Obama é como é em política externa porque os EUA são como são hoje (queimados por duas guerras fracassadas e enfraquecidos por uma grande recessão) e porque o mundo é como é (cada vez mais cheio de Estados falidos e aliados dos EUA enfraquecidos)?

A resposta é um pouco das duas coisas, mas eu colocaria muito mais ênfase na última. A política externa, nossa capacidade e disposição para agir no mundo, tem a ver com três coisas: interesses, valores e alavancagem.

Nós temos interesse em nos envolver na Síria ou na Crimeia, nossos valores estão envolvidos, e - se alguma dessas coisas for verdadeira - temos alavancagem para inclinar a balança a nosso favor de maneira sustentável, por um preço que podemos pagar? A alavancagem é uma função de duas coisas: a quantidade de recursos econômicos e militares que podemos suportar e a união de objetivos de nossos parceiros em campo e nossos aliados em outros lugares.

Eu afirmaria que muito do que torna os EUA menos atuantes no mundo hoje é, em primeiro lugar, produto de nossa alavancagem reduzida por causa de ações empreendidas por governos anteriores. As decisões de expandir a Otan tomadas pelas equipes de Bush pai e de Clinton espalharam as sementes de ressentimento que ajudaram a criar Putin e o putinismo.

A equipe de Bush filho não apenas presidiu sobre duas guerras malsucedidas, como rompeu totalmente com a tradição americana e cortou os impostos, em vez de aumentá-los para pagar por essas guerras, enfraquecendo nosso balanço financeiro. O planejamento de ambas as guerras foi péssimo, sua execução pior ainda e muitos de nossos “aliados” se revelaram corruptos ou usaram nossa presença para seguir em antigas disputas.

Qualquer pessoa que pense que a população americana não percebeu tudo isso, por favor levante a mão. Como alguém que queria que fôssemos parceiros dos iraquianos para tentar construir uma democracia lá - no coração do mundo árabe depois do 11 de Setembro -, eu certamente percebi, e aprendi várias coisas: onde temos verdadeiros parceiros, que compartilham nossos valores básicos e estão prontos para lutar por si mesmos - como os curdos, que construíram uma ilha de decência que é a grande história de sucesso não cantada da guerra do Iraque -, a ajuda limitada dos EUA pode fazer muito.

De fato, alguém percebeu que os dois maiores sucessos da reforma no Oriente Médio muçulmano hoje - a Tunísia e o Curdistão - são lugares onde nosso envolvimento recente foi nulo? Eles queriam e eles construíram.

Mas onde nossos aliados são poucos ou divididos - Líbia, Síria, Afeganistão e Iraque - é necessário um envolvimento dos EUA muito mais profundo e prolongado em campo para ajudar a trazer uma nova ordem que a maioria dos americanos aceite. E fingir que podemos intervir sem gastar muito ou apenas do ar é absurdo (veja a Líbia), e fingir que a cautela de Obama é só porque ele é um frágil organizador comunitário também é absurdo.

A maioria dos presidentes faz nome em política externa enfrentando fortes inimigos, mas a maior parte do que ameaça a estabilidade global hoje são Estados em ruínas. Exatamente quantos podemos salvar de uma vez?

Eu adoraria ajudar os reformadores ucranianos a construir uma democracia funcional, mas o motivo de essa tarefa ser tão desafiadora é que seus próprios políticos desperdiçaram duas décadas saqueando o país, por isso a alavancagem exigida para promover a mudança hoje - US$ 30 bilhões em fundos de socorro - é maciça.

Precisamos contrabalançar a China na região Ásia-Pacífico, mas isso não é fácil quando devemos a Pequim quase US$ 1,3 trilhão, por causa de nossa generosidade alimentada a crédito. Sou totalmente a favor de resistir à intervenção de Putin na Ucrânia, mas é difícil enfraquecer esse petroditador sem termos uma política energética nacional que derrube o preço do petróleo e crie alternativas.

É verdade que Obama poderia fazer mais para “liderar” os europeus na Ucrânia, mas também é verdade que Gerhard Schroeder, o ex-chanceler alemão, hoje está na diretoria de uma gigantesca companhia de petróleo russa. Pense nisso. Os europeus não querem confrontar Putin.

Nosso maior problema, porém, não é a Europa ou Obama. Nosso maior problema somos nós e nossa paralisia política. O mundo leva os EUA a sério quando nos vê fazendo coisas difíceis juntos - quando lideramos pelo exemplo.

Se quisermos fazer mais construção de nações no exterior, precisaremos concordar sobre um plano para fazer mais construção de nação em casa primeiro - incluindo investimentos em infraestrutura, substituir impostos de renda e empresariais por um imposto sobre o carbono, um grande novo impulso em eficiência energética e gás natural extraído de maneira adequada, construção de capacidade e reforma da imigração e gradual reequilíbrio fiscal em longo prazo. É assim que construímos nossa força enfraquecendo Putin.

O que é mais assustador para mim no mundo hoje é o fato de não estarmos fazendo uma construção de nações inteligente no exterior para tornar o mundo mais estável, nem uma construção de nação inteligente em casa para tornar os EUA mais resistentes e fortes. Precisamos que ambos sejam seguros.

Precisamos de mais alavancagem da construção de nação em casa para termos o poder duradouro de levantar outros países, mas também precisamos que os estrangeiros forneçam uma base sólida e unida para que nossa alavancagem funcione. É difícil trocar um pneu murcho quando o macaco está quebrado ou apoiado em areia mole. Não é só uma questão de Obama.