Encerramento histórico

Ao exaltar história clássica e popular, escolas do Rio voltam ao passado para refletir sobre o presente

Renata Nogueira* Do UOL, em São Paulo Alexandre Brum/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

A Mangueira contou a história dos esquecidos, escancarou a ditadura e exaltou Marielle Franco. A família da vereadora assassinada há um ano no Rio também desfilou na Vila Isabel.

A Portela homenageou Clara Nunes celebrando a cultura e as religiões afro-brasileiras. Paraíso do Tuiuti e União da Ilha festejaram o Nordeste desde cultura popular até seus reconhecidos escritores.

Ao refletir sobre o tempo, a Mocidade Independente foi ao Oriente. Reeditando seu enredo de 1990, a São Clemente criticou o atual Carnaval do Rio de Janeiro.

Esse foi o clima do encerramento dos desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro. As sete escolas que passaram pela Marquês de Sapucaí na segunda-feira de Carnaval dedicaram seus enredos em história. Tanto a contada nos livros quanto àquelas passadas de geração em geração. Ao mesmo tempo que agitaram as aquibancadas, as releituras em forma de samba fizeram o público refletir.

Alexandre Brum/Agência O Dia/Estadão Conteúdo
Júlio César Guimarães/UOL Júlio César Guimarães/UOL
Júlio César Guimarães/UOL

Livro aberto

Personagens populares da história do Brasil, como Dom Pedro I, Pedro Álvares Cabral e Princesa Isabel, foram literalmente diminuídos na comissão de frente da Mangueira, enquanto negros e índios ocuparam o espaço deles nos museus.

"O movimento abolicionista começou muito antes da assinatura da Lei Áurea, mas muita gente nem sabe disso. O enredo da Mangueira nos ajudou a refletir um pouco sobre a nossa própria história", explicou a coreógrafa Priscilla Mota.

Com o enredo "Histórias para ninar gente grande", a escola ainda lembrou de figuras pouco exploradas como Cunhambebe, Luiza Mahin, Chico da Matilde, Dandara e Aqualtune e Sepé Tiaraju.

Com um enredo politizado, a escola ainda contou com o apoio de figuras importantes como Alcione, Nelson Sargento e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), que desfilou com uma camiseta homenageando Marielle. Monica Benício, viúva da vereadora, desfilou de mãos dadas com a cantora e mangueirense "roxa" Rosemary.

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Nossos gigantes que deram sangue pela nossa pátria são os nossos negros, os nossos índios, aqueles que não têm espaço nos livros de história

Priscilla Mota, coreógrafa da comissão de frente da Mangueira

Luiz Gomes/FotoArena/Estadão Conteúdo

Ode ao bode

O "Salvador da Pátria", tema da Paraíso do Tuiuti esse ano, foi o bode Ioiô. Antes mesmo do desfile, a história do personagem de origem humilde, que venceu as dificuldades da vida, ganhou o apoio popular e acabou virando um líder foi relacionada à trajetória do ex-presidente Lula. "É um excelente exemplo de como o sucesso dos humildes é mal visto e incomoda uma parcela da população", definiu o carnavalesco Jack Vasconcelos, deixando no ar se estava falando mesmo de Lula ou não. Mas na avenida o bode que na história original era vereador desfilou com faixa presidencial. 

A escola ainda usou a história popular para abordar a atual polarização do Brasil, brincou com fantasias de coxinhas armadas e levou cartazes com frases que marcaram o período eleitoral, como "ninguém solta a mão de ninguém". No "Encontro", o ator Silvero Pereira, que é cearense e desfilou em um dos carros da Tuiuti, falou sobre o desfile:

"Você poder falar com alegria, com diversão, com deboche, mas com seriedade sobre questões do dia a dia. A política está no nosso dia a dia, e a gente precisa entender mais sobre isso se a gente realmente quer mudar o nosso país"

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Roberto Vazquez/Futura Press/Estadão Conteúdo Roberto Vazquez/Futura Press/Estadão Conteúdo
  • Vila Isabel

    Falando de Petrópolis, a Vila levou a família de Marielle Franco com destaque em um carro alegórico que lembrou a liberdade conferida aos escravos brasileiros após a assinatura da lei Áurea pela Princesa Isabel. "Estamos contentes pela Vila Isabel ter nos convidados, ficamos muito emocionados. Marielle era povão, comunidade. Ela está sempre presente nos principais momentos da nossa vida", contou o pai dela, Antônio Francisco da Silva Neto, em entrevista à Globo

    Imagem: Bruna Prado/UOL
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  • Portela

    Homenageando um ícone do samba, Clara Nunes, a escola não só relembrou a trajetória da cantora como celebrou a cultura e, especialmente, as religiões afro-brasileiras. Emanuelle Araújo encarna a cantora em ação surpresa no último carro do desfile

    Imagem: Reprodução/TV Globo
  • Mocidade Independente

    Versando sobre os calendários criados há milhares de anos, a escola citou a Mesopotâmia e a China. Um grande dragão vermelho, laranja e amarelo tomou a avenida soltando fogo pelas ventas, brilhando ao encontrar os raios de sol, formando um dos destaques mais bonitos desta edição do Carnaval

    Imagem: Júlio César Guimarães/UOL
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  • São Clemente

    Criticando o próprio Carnaval, a escola fez menções à prefeitura do Rio e trouxe em seu último carro os carnavalescos do Grupo de Acesso, que foi ainda mais impactado pela política de cortes de recursos. Vale lembrar que a verba destinada ao acesso só foi liberada na sexta-feira anterior ao desfile

    Imagem: Gabriel Sabóia/UOL
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  • União da Ilha

    A escola lembrou a obra de dois grandes escritores do Ceará: Rachel de Queiroz e José de Alencar. E também celebrou a cultura popular levando para a avenida um Padre Cícero high-tech. Falando de literatura, o samba-enredo ainda trouxe elementos de forró e xaxado

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