Mangueira canta sobre protagonistas esquecidos e homenageia Marielle

A poderosa Estação Primeira de Mangueira chegou à Sapucaí na madruga de hoje apostando novamente em um enredo politizado.
O carnavalesco Leandro Vieira planejou o samba-enredo "Historia para ninar gente grande", que traz luz em personagens importantes que praticamente não foram abordados pelos livros de história, como Dandara, Luiza Mahin e Sepé Tiaraju.
Por obra e graça dos compositores, a vereadora Marielle Franco, assassinada no ano passado, entrou no enredo -- o que aumentou ainda mais a carga dramática do mesmo.
A Mangueira teve mudanças pontuais, mas importantes, em seu time. A bateria e a comissão de frente, que tiraram a escola da disputa do título em 2018, têm novos comandantes. Os ritmistas são regidos agora por Mestre Wesley.
O show de abertura foi assinado por Rodrigo Negri e Priscila Mota, o casal que já fez trabalhos de impacto na Unidos da Tijuca e Grande Rio. A Mangueira foi a sexta escolar a desfilar no último dia do Carnaval do Rio de Janeiro.
Os esquecidos
A Mangueira lembrou de diversas personalidades que acabaram sendo deixadas de lado pela história que conhecemos nos livros e na escola. Caso de Cunhambebe, líder dos tamoios na luta contra os portugueses no século 16; Luiza Mahin, a escrava que virou referência na luta dos escravos na Bahia; Chico da Matilde, um jangadeiro que comandou uma paralisação dos transportes de navios negreiros que chegavam ao Ceará no século 19; Dandara, esposa de Zumbi dos Palmares; Sepé Tiaraju, chefe indígena que liderou a Guerra Guaranítica, rebelião em reação à assinatura do Tratado de Madri.
Museu inédito
A comissão de frente da Mangueira trouxe um museu com personagens populares da história do Brasil, como Dom Pedro I e Pedro Álvares Cabral. Do lado de fora, negros e índios olhavam a situação. Quando as personalidades expostas saíram, elas estavam pequenas, uma contestação da agremiação sobre a notoriedade delas e mostrando que suas histórias são menores diante de índios e negros. Na sequência, uma garota carregando um livro permitiu com que os "esquecidos" ocupassem o museu.
Genocídio
Uma nova interpretação foi feita do Monumento às Bandeiras, localizado em São Paulo. A ideia da escola foi questionar o tratamento recebido pelos bandeirantes. Até que ponto é herói quem ocupa um espaço onde já existe uma civilização? Na alegoria, gigantescas caveiras manchadas de sangue representaram a morte e tribos indígenas exterminadas foram lembradas em cruzes espalhadas pelo carro alegórico. Do alto do monumento, sangue escorria pelas paredes e as frases "assassino" e "ladrões" foram pichadas.
Alcione e Nelson Sargento
Dois dos maiores nomes do samba desfilaram pela Mangueira na Sapucaí. Alcione representou Dandara, uma guerreira negra do período colonial que preferiu o suicídio a voltar a viver como escrava. Já Nelson Sargento surgiu na avenida como Zumbi dos Palmares, que entrou para a história como um dos pioneiros na resistência contra a escravidão no Brasil. Quem também marcou presença na avenida, como não poderia deixar de ser, foi Tia Suluca, um ícone da agremiação, que desfilou como Aqualtune, a avó de Zumbi.
Marielle
Após ser homenageada por outras escolas, Marielle também ganhou um tributo pela Mangueira. Mencionada no excelente samba-enredo "História Pra Ninar Gente Grande", a vereadora assassinada em 2018 estampou uma bandeira verde e rosa. A viúva de Marielle, Mônica Benício, desfilou na ala especial e apareceu com uma camiseta escrita "lute como Marielle". Quem também esteve no desfile foi o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL). Ao fundo, uma bandeira do Brasil tinha como lema "índios, negros e pobres".
Veja o samba-enredo da Mangueira
História pra Ninar Gente Grande
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
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