Na 'capital' do estupro, uma mulher a cada 500 é violada por ano
Roraima é a campeã brasileira da violência de gênero. Já tinha a maior taxa estadual de assassinato de mulheres. Agora, com dados coletados e organizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, descobrimos que o norte de Roraima - da capital Boa Vista até Pacaraima na fronteira com a Venezuela; da reserva Raposa Terra do Sol, a leste, ao território yanomami a oeste - é a mesorregião recordista de notificações de estupros de mulheres no Brasil.
Uma em cada 500 moradoras do norte roraimense foi estuprada em 2022, pelos registros policiais. Mas a subnotificação passa de 90%. Estima-se que a taxa seja dez vezes maior. Uma em 50 mulheres.
Foram 504 estupros de mulheres no norte de Roraima em 2022, o que dá uma taxa de 191 casos por 100 mil habitantes (*). A grande maioria dos casos ocorreu na capital: 387. A taxa em Boa Vista ficou 185 estupros por grupo de 100 mil mulheres, a maior entre todas as capitais e 31% mais alta que a de Macapá, capital do Amapá, que ficou em segundo lugar.
Essas informações foram apresentadas no episódio de estreia do podcast A Hora, apresentado por Thais Bilenky e José Roberto de Toledo, e produzido pelo UOL.
As causas desse recorde negativo em violência de gênero na região amazônica e especialmente em Roraima são múltiplas. Misturam geografia e cultura locais, explica Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: na zona de fronteira passa de tudo entre o Brasil e a Venezuela:
- Imigrantes em situação vulnerável;
- Contrabando de ouro;
- Tráfico de drogas;
- Garimpeiros invadindo áreas indígenas;
- O garimpo de ouro e outras atividades extrativistas atraem zonas de prostituição administradas pelo crime organizado, o que estimula o tráfico de mulheres e a exploração de meninas indígenas;
- O PCC virou uma espécie de gerente do crime em Roraima, redirecionou a frota de aviões particulares que era usada para contrabandear ouro da área yanomami para traficar drogas e pessoas.
Os dados são de 2022, último ano do governo Bolsonaro, que provocou a crise humanitária que só foi começar a ser enfrentada em 2023, durante o governo Lula, com o deslocamento de forças militares, policiais e agentes federais para tentar expulsão as hordas de garimpeiros que haviam invadido o território yanomami no noroeste de Roraima.
As causas do problema, porém, começaram muito antes. Em 2018, Thais Bilenky visitou a região para fazer uma reportagem para a Folha de S.Paulo sobre o êxodo venezuelano. Os abrigos montados às pressas para acolher os refugiados do país vizinho eram panelas de pressão. O crime organizado passou a cooptar a população vulnerável que se espremia nas barracas em busca de abrigo. E a violência logo começou a marcar a vida das refugiadas, com relatos de estupro associados a xenofobia e prostituição.
Os sinais eram visíveis. O bairro do abrigo tinha uma zona de prostituição conhecida na cidade. Mas só à noite se costumava ver mulheres na rua. Com a chegada das venezuelanas, a qualquer hora do dia, havia mulheres com sobrinhas nas calçadas, e cada vez mais crianças com mães morando nas ruas.
(*) Outra mesorregião da Amazônia, o norte do Amapá, registrou uma taxa ainda mais alta, de 262 por 100 mil mulheres. Mas a população lá é cerca de 90% menor do que a do norte de Roraima, e o número de estupros não chegou a 100, que foi ao limiar de corte para este ranking. Regiões pouco populosas tendem a registrar oscilações muito grandes das taxas, daí o corte.
Podcast A Hora, com José Roberto de Toledo e Thais Bilenky
A Hora é o novo podcast de notícias do UOL com os jornalistas Thais Bilenky e José Roberto de Toledo. O programa vai ao ar todas as sextas-feiras pela manhã nas plataformas de podcast e, à tarde, no YouTube.
Escute a íntegra nos principais players de podcast, como o Spotify e o Apple Podcasts já na sexta-feira pela manhã. À tarde, a íntegra do programa também estará disponível no formato videocast no YouTube. O conteúdo dará origem também a uma newsletter, enviada aos sábados de manhã.
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