Brasil é campeão de comprometimento de renda para pagar dívida
O brasileiro sobe no mais alto lugar do pódio quando o assunto é comprometimento de renda para pagar dívidas, afirmou o professor Lauro Gonzales, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) no Análise da Notícia desta quarta (16). O primeiro lugar se deve a uma inclusão financeira apoiada numa obtenção de crédito predatória. Segundo o especialista, enquanto o acesso e uso a serviços financeiros explodiram recentemente, a qualidade ainda deixa muito a desejar.
Acesso é, digamos, as pessoas terem possibilidade de acessar um serviço financeiro. Isso é diferente do uso, porque não é porque você tem acesso, que você vai usar. (...) Tem três grupos de fatores andando juntinhos. Um é o próprio Banco Central e uma série de mudanças regulatórias que aconteceram, eu diria que nos últimos vários anos, cujos efeitos se somaram, não é uma coisa só. Para dar exemplos concretos, o Pix. O Pix é uma mudança recente, final de 2020 (...). A existência das fintechs, dessas instituições de pagamento, onde a gente vai, a gente vê aquelas maquininhas hoje (...). A explosão disso tem a ver com mudanças regulatórias que aconteceram também nesse período todo. Lauro Gonzales, professor da FGV
O segundo grupo de fatores são as novas tecnologias e novos atores que, hoje, oferecem serviços que só bancos ofereciam. O terceiro é o grande aumento no volume de transferência de recursos, caso do Bolsa Família recentemente.
O Brasil ficou muito tempo numa espécie de 'série B' de contas correntes, por exemplo, ou de contas em instituições formais. Acho que esse é um bom exemplo. Por quê? Porque essas contas são a porta de entrada para vários outros serviços. O Brasil estava lá naquela faixa, mais ou menos assim, cerca de 60% dos adultos com conta corrente. Então, o Brasil estava numa posição intermediária. O Brasil não estava lá embaixo na 'série C', mas não estava como os países desenvolvidos. Nos últimos anos, deu um salto. O Brasil, em poucos meses, virou a França.
O acesso, o número de adultos com conta corrente hoje, é semelhante ao de países desenvolvidos, acima de 90%. Se a gente pega, por exemplo, o número de pessoas que são beneficiárias do Bolsa Família e tem conta corrente, esse número hoje já está próximo de 100%. Utilizando essas contas formais, acesso e uso, nesse caso. Então, aumentou drasticamente. Lauro Gonzales, professor da FGV
Se o acesso e o uso explodiram, a qualidade tem muito a melhorar, explica Gonzales. Segundo ele, o resultado é o endividamento da população, sobretudo da parcela mais pobre.
Quando a gente olha, por exemplo, o comprometimento de renda da galera que está dentro do Bolsa Família — e esse número me assustou, confesso, quando eu olhei essa pesquisa —, a gente vê assim, dados nessa pesquisa, coisa da casa de 35% da renda comprometida com pagamento de amortização e juros de dívida para usuários do Bolsa Família. Sendo que esse número já é alto para a população em geral. No Brasil, tipicamente, esse número varia entre 25% e 27%, conforme dados do próprio Banco Central (...).
De cada R$ 100 que você ganha, em média, R$ 36 está indo para o pagamento, só sobra R$ 64. (...) Isso é muito por duas razões. Primeiro, se a gente comparar com outros países, o segundo, colocado tem um nível de comprometimento de renda que é tipicamente metade do do Brasil. Isso é a população em geral. Entre os pobres, eu tenho certeza que o Brasil é campeão com esses números que eu estou falando. Lauro Gonzales, professor da FGV
Os dados refletem a dimensão da qualidade.
Então, que tipo de serviço, que tipo de crédito essa população está consumindo? Não é o crédito que o Acredita [programa de crédito do governo federal] está se propondo a fazer. Esse crédito que hoje está inchando, está engrossando o caldo do endividamento, é um crédito muito ligado a consumo e muito ligado a uma combinação de cartão de crédito e consignado. Aliás, o consignado é um capítulo à parte nessa história toda, porque muito embora as taxas sejam baixas, ele pode acabar sendo utilizado assim como alavanca para outros créditos, ele pode acabar comprometendo uma parcela muito grande da renda também. Lauro Gonzales, professor da FGV
O Análise da Notícia vai ao ar às terças e quartas, às 13h e às 14h30.
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