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Leonardo Sakamoto

Discurso negacionista vai se adaptando e dificulta combate ao coronavírus

3.abr.2020 - Funcionários do serviço funerário enterram corpo de uma vítima do novo coronavírus no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo - Fernando Bizerra/EFE
3.abr.2020 - Funcionários do serviço funerário enterram corpo de uma vítima do novo coronavírus no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo Imagem: Fernando Bizerra/EFE

Colunista do UOL

10/04/2020 11h39

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Coronavírus não dá a mínima se você acredita nele ou não para poder te infectar - afinal, é um vírus. Ou seja, atinge tanto os que menosprezam a doença, dificultando o seu combate, quanto aqueles que entendem a sua gravidade e respeitam as recomendações de isolamento social. Só por conta disso, a situação já seria injusta. Mas o discurso negacionista, ainda por cima, responsabiliza terceiros pelos problemas que ajudou a criar. E toda vez que a realidade o desmente, ele se adapta e segue contrariando a ciência.

Num primeiro momento, os negacionistas consideraram coronavírus uma fraude, uma "histeria" coletiva criada por uma narrativa inventada pela China para destruir os mercados e empregos ocidentais e que, por isso, não se diferenciava de qualquer outra "gripezinha". A Organização Mundial da Saúde e a imprensa foram responsabilizadas por criar pânico sobre algo que, segundo eles, não existe.

Depois, quando a pandemia bateu à nossa porta, a culpa foi direcionada a governadores e prefeitos que decretaram isolamento e distanciamento social para retardar o avanço da doença e a superlotação de hospitais. Pois, para os negacionistas, o que funciona mesmo é o isolamento de idosos e pessoas imunodeprimidas - que deveriam ficar em casa enquanto os outros voltavam ao trabalho. Alguns sugeriram até "campos de concentração" como resposta.

Quando o coronavírus contaminou alguém que mora na mesma casa, apesar dos cuidados tomados para preservar a pessoa devido à crença na ficção do "isolamento vertical", a culpa foi jogada nos médicos e cientistas que não distribuíram cloroquina em massa para "prevenir" e "tratar" a doença. O medicamento vem sendo prescrito em casos individuais, mas não há provas que subsidiem a distribuição em massa devido aos seus efeitos colaterais.

Há quem consiga, após uma tragédia, deixar a negação e chegar à aceitação (talvez passando por raiva, barganha e depressão), em um luto pelo fim da pessoa ignorante que era. Ignorância que pode acometer esquerda e direita, cristãos e ateus. Mas há também quem seja incapaz de assumir que agiu de forma irresponsável em meio à crise. E, apesar dos avisos, preferiu acreditar nas mensagens de "médicos" formados pela Universidade do WhatsApp com residência em Infectologia no Hospital do Google.

Para essas pessoas, a culpa por seus problemas nunca, mas nunca, passa por si mesmas e pelas decisões que tomam. Por exemplo, optar por acreditar no que diz o presidente da República e não no que explica o ministro da Saúde.

Jair Bolsonaro é um dos que tentam transferir sua responsabilidade pela contenção e mitigação da pandemia para terceiros. Na quarta (8), disse que "cada família tem que cuidar dos mais idosos, não pode deixar na conta do Estado". Defendeu que se mantivesse dois metros de distância dos idosos em casa, ignorando que, nas favelas brasileiras, em residências de cômodo único, não chegar a essa distância de pais e avós significa não entrar na casa.

Além dos problemas trazidos por uma pandemia assassina transmitida pelo contato social, o Brasil acaba gastando tempo precioso para enfrentar esse naco de negacionistas que coloca em risco a si mesmos e aos outros. E gasta energia, pois a cada mudança no cenário, eles preferem terceirizar a responsabilidade para outro. O seu comportamento acaba criando entraves para a aplicação de soluções cuja eficácia vem sendo comprovada por outros países.

Nem todo os que estão na rua desrespeitam as quarentenas porque querem. Os profissionais de saúde sabem dos riscos que correm, inclusive de morte, mas, mesmo assim, estão na linha de frente do combate à pandemia. Bem como os trabalhadores e trabalhadoras de serviços essenciais, que seguem se expondo diariamente para que o restante da sociedade funcione.

Isso sem falar dos milhões que são obrigados a sair de casa para buscar o sustento porque o governo atrasou - e muito - o pagamento do auxílio emergencial a informais e desempregados (a renda básica de R$ 600,00 deveria ter sido liberada quando a quarentena foi recomendada). Ou os micro e pequenos empresários que estão à beira da falência porque o governo apresentou medidas insuficientes para garantir seus negócios.

Fala-se que a pandemia criou uma espécie de "Arca de Noé" pós-moderna, em que os escolhidos podem se isolar, enquanto uma parte tem que ir para o sacrifício. Por conta disso, uma parte da sociedade deveria ser eternamente grata à outra - o que, sabemos, não irá acontecer. Se parte consegue ser heroicamente solidária, outra é, e sempre será, covardemente egoísta.

Desconfio que o mundo que sairá disso não será melhor do que o que temos agora. Mas a pandemia pode ajudar muita gente a amadurecer, aprendendo que seus atos trazem consequências para si mesmas e para os outros. Talvez até o presidente aprenda. Ou não.