Governo sente prazer com PIB grande, mas o povo gosta é de preço pequeno

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O PIB cresceu 3,4% em 2024, mas poderia ter ido muito além se a agropecuária não tivesse caído 3,2% por conta dos "efeitos climáticos adversos que impactaram várias culturas importantes", nas palavras do próprio IBGE. A economia brasileira teve uma degustação do que a espera com o aquecimento global. Não há inflação de alimentos que abaixe com a temperatura do país em alta.
E como o país está reagindo a isso? Batalhando para jogar mais carbono na atmosfera com uma nova frente de exploração de petróleo na costa amazônica do Amapá. Aprovando projeto de lei que mantém benefícios a termelétricas a carvão e gás, que agravam as mudanças climáticas, pagos, aliás, por nós consumidores na conta de luz. Tacando fogo em floresta para limpar a área para aumentar a produção.
Em 2024, a soja caiu 4,6% e o milho, 12,5%, ambos não apenas importantes itens de nossa pauta de exportações, mas também matéria-prima para alimentos e ração para a produção de animais. Não são as únicas culturas afetadas, contudo, reforçando que a falta de ações de adaptação do país para este novo clima ajuda a aumentar o preço dos alimentos.
O governo vive uma situação complicada. Mesmo com aumento do PIB de 3,4%, após ter crescido 3,2% em 2023, menor desemprego da série histórica, aumento da renda média dos trabalhadores e redução na desigualdade, Lula ostenta baixa popularidade e não vai conseguir a reeleição se o preço dos alimentos não cair consideravelmente. Não estou falando em parar de subir, mas de despencar do alto patamar em que se encontra.
A inflação dos alimentos foi maior que a IPCA geral no ano passado. Ou seja, os mais pobres sentiram no bolso e na qualidade de vida mais do que a média da população.
Eventos climáticos extremos afetaram a produção nos últimos dois anos no Brasil, encarecendo a comida. O governo Lula vem fazendo questão de destacar isso, mas do ponto de vista dos consumidores, quando a abobrinha sobe não importa se a culpa foi do clima, de Satanás ou do Godzilla, a responsabilidade final será do governo federal. Ou, mais especificamente, da falta de medidas em quantidade e impacto suficientes para mitigar a disparada dos preços. Aceita-se sazonalidade, o que não se admite é a comida com preço que inexoravelmente sobe.
Ao mesmo tempo, a expectativa de uma boa safra para 2025 não deveria servir para esquecer o perrengue que o país vem passando por conta de secas e inundações. Que também vêm causando tragédias humanas, como os mais de 180 que morreram com a falta de preparo do Rio Grande do Sul para as fortes chuvas.
Aumento de estoques reguladores, incentivo à produção de determinadas culturas em outras regiões, dinheiro para o pequeno produtor rural (responsável por levar alimentos frescos às mesas dos brasileiros), desoneração de impostos sobre alimentos e, por mais que empresários chiem, redução de impostos de importação (como o governo anunciou, nesta quinta, para café, carnes, milho, sardinha, azeite, massas e biscoitos e óleo de girassol) são medidas importantes. Isso sem contar a queda no dólar, que influencia no preço do diesel, usado nos caminhões que transportam tudo o que consumimos.
Mas adotar medidas considerando que o clima mudou também.
A mudança do clima pode ter para o governo Lula o mesmo impacto que teve o coronavírus no governo Bolsonaro, como já disse aqui. Não foi o ex-presidente que criou a covid-19, mas ele lidou com ela da pior maneira possível. Ao tomar ações que não eram embasadas na ciência, acabou sendo sócio de 700 mil óbitos. Caso tivesse lidado decentemente com a pandemia, era possível até que tivesse sido reeleito.
O aquecimento da temperatura média do planeta não é culpa de apenas um governo, mas um projeto coletivo que vem sendo posto em prática pela humanidade, principalmente pelos países e grupos sociais mais ricos, desde a Revolução Industrial. Se Lula não se atentar que estamos entrando em uma era de crise de alimentos por mudanças climáticas e agir mais fortemente nesse sentido, não é que só ele vai ter problemas eleitorais lá na frente, esta e a s futuras gerações vão ter.
É claro que não são as decisões apenas de sua gestão que vão interromper a tragédia global, o que depende muito mais dos EUA, da China e da Europa. Contudo, além de reduzir emissões de carbono por aqui, ele precisa coordenar a adaptação das cidades e do campo no Brasil para esse novo normal. E isso vai influenciar na produção e no preço dos alimentos.
O maior legado que pode ser deixado pelo presidente, aliás, não é a reforma tributária, como avaliam alguns. Mas a preparação do Brasil para o novo clima, servindo de exemplo para outros países fazerem o mesmo. Critica-se Donald Trump por promover o petróleo, mas por aqui sonha-se com a mesma coisa.
Não são as tragédias que definem os governantes mas o que eles fazem diante delas. Como já disse aqui, caso ache que o problema é de que as pessoas não estão suficientemente e corretamente informadas sobre o que o governo vem fazendo, Lula pode ter o mesmo fim que a gestão Bolsonaro.