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Leonardo Sakamoto

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Verba de fiscalização ambiental do Ibama e do ICMBio encolheu sob Bolsonaro

Jair Bolsonaro discursa na Cúpula de Líderes sobre o Clima - Reprodução/YouTube
Jair Bolsonaro discursa na Cúpula de Líderes sobre o Clima Imagem: Reprodução/YouTube

Colunista do UOL

22/04/2021 11h22Atualizada em 22/04/2021 19h33

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Jair Bolsonaro mentiu na abertura da Cúpula de Líderes sobre o Clima, convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, nesta quinta (22), ao afirmar que, sob sua gestão, houve fortalecimento dos órgãos ambientais. Além dos números do orçamento não corroborarem a declaração, o governo tem agido sistematicamente para sabotar as ações do Ibama e ICMBio.

"Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização", afirmou.

A realidade, contudo, é outra. Tanto o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) quanto o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) vivem desafios diários para a realização de suas atividades impostos pelo presidente da República e pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

A rubrica orçamentária 214N, que diz respeito à fiscalização do Ibama, está no orçamento de 2021 com R$ 94 milhões, sendo que o governo Bolsonaro propôs 82,9 milhões. Mas a 214N teve dotação inicial de R$ 80,3 milhões (2020), R$ 112 milhões (2019) e R$ 124,4 milhões (2018), com valores atualizados pelo IPCA.

Ao mesmo tempo, a rubrica 214P, sobre fiscalização e controle de incêndios por parte do ICMBio, conta com R$ 22,3 milhões — o projeto do governo queria R$ 22,5 milhões.

E a 214P teve autorizados R$ 21,6 milhões (2020), R$ 38,6 milhões (2019) e R$ 24,8 milhões (2018), também em valores atualizados. Vale lembrar que 2018 e 2019, orçamentos com mais recursos, foram produzidos ainda na gestão Michel Temer.

Ou seja, até agora, Bolsonaro não dobrou nada. Pelo contrário, considerando o governo anterior e o que recebeu de herança, ele subtraiu.

Os números foram coletados e organizados pelo Observatório do Clima, que registra ano a ano as despesas com fiscalização ambiental e corrige os valores para efeito de comparação.

Questionado em coletiva à imprensa sobre os valores relacionados a essa declaração de Bolsonaro, Ricardo Salles disse que "o número preciso não é possível estabelecer agora, mas o que houver de disponibilidade, o governo vai dobrar o recurso".

A duplicação alardeada pelo presidente como fato ocorrido é, portanto, apenas uma intenção apresentada na Cúpula de Líderes para tentar reduzir as críticas sobre o enfraquecimento da fiscalização.

Salles também afirmou que a área de comando e controle deve considerar orçamento da Força Nacional. Mas apesar da importância da atuação de militares e de policiais, a instituição não se enquadra na categoria de "órgãos ambientais", tal como usadas por Bolsonaro diante dos líderes globais. Dessa forma, o governo maquia um orçamento do Ibama e ICMBio menor "inflando" com o de outros lugares.

As duas instituições contam com conhecimento técnico que nenhum outro ator público possui. Nesse sentido, a substituição de fiscais e técnicos por policiais e militares, como vem demonstrando ser o desejo do governo inclusive entre as coordenações de ambos os órgãos, é equivocada.

E o cotidiano de ambas não está fácil.

Cerca de 400 servidores públicos do Ibama divulgaram uma carta ao presidente do órgão, nesta terça (20), alertando que paralisaram atividades após decisão do ministro Ricardo Salles que, segundo eles, inviabiliza o combate ao desmatamento ao determinar que sanções precisem passar por um supervisor. Temem que as multas sejam canceladas por influência política.

Ao mesmo tempo, servidores do ICMBio reclamam de falta de recursos para atividades, das complexas, como aeronaves para o combate aos incêndios florestais, às mais simples, como combustível para a circulação da frota de veículos. Isso sem contar do fechamento de brigadas de incêndio.

Bolsonaro tem atacado as instituições voltadas ao monitoramento e controle ambiental. Servidores públicos são assediados, ameaçados e exonerados de cargos de chefia caso se coloquem como entrave aos interesses de pecuaristas, madeireiros e garimpeiros que atuam de forma ilegal e dão suporte ao governo Bolsonaro.

Ricardo Salles não tem pudores de mudar portarias para limitar a fiscalização e beneficiar esses grupos, passando a "boiada" enquanto o foco do país está nos mortos e doentes da covid-19.

O presidente vem enfraquecendo instituições de fiscalização da República, como o Coaf, a Receita Federal, a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República, de acordo com seus propósitos e os de sua família.

Na área ambiental, não seria diferente, com o seu governo não apenas abrindo mão de seu papel de monitorar o cumprimento de normas e leis, mas também atuando de forma agressiva a fim de impedir que qualquer ator público ou privado cumpra aquilo que ele se nega a fazer.