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Leonardo Sakamoto

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nos EUA, Bolsonaro volta a culpar vítimas por seu desaparecimento no AM

09.jun.2022 - O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante uma reunião bilateral com o presidente dos EUA, Joe Biden, durante a Nona Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos. - REUTERS/Kevin Lamarque
09.jun.2022 - O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante uma reunião bilateral com o presidente dos EUA, Joe Biden, durante a Nona Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, nos Estados Unidos. Imagem: REUTERS/Kevin Lamarque

Colunista do UOL

10/06/2022 09h06

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Após responsabilizar o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips por seu próprio desaparecimento, na última terça (7), no Brasil, Jair Bolsonaro fez o mesmo em Los Angeles, nesta quinta. Dada a quantidade insuficiente de equipes de busca de seu governo, ele pode ter tempo de culpar as vítimas em todos os continentes antes de serem encontradas.

"É uma área fora da Funai, tem protocolo a ser seguido. Naquela região, geralmente você anda escoltado, foram para uma aventura, a gente lamenta pelo pior", disse Bolsonaro, que está nos Estados Unidos para a Cúpula das Américas.

Diz que, logo que o desaparecimento foi anunciado, seu governo entrou em campo, o que não condiz com os fatos. E ele sabe que o tempo joga contra ao dizer "sabemos que a cada dia que passa essas chances diminuem". Os céus do Vale do Javari deveriam estar coalhados de aeronaves e os rios, de barcos.

O presidente opera o tempo todo em um modo reativo, tentando tirar o corpo fora. Ao invés de apenas prestar solidariedade às famílias e declarar que todos os esforços estão sendo feitos por seu governo para encontrar os dois (o que seria mentira, claro), ele tenta evitar que a responsabilidade caia em suas costas.

Foi assim com as mortes na pandemia de covid-19, com a fome e o desemprego, com o desmatamento e as queimadas, com a inflação.

O problema é que, neste caso, as vítimas não estão aqui para poderem se defender das palavras de Jair.

O que ele chama de "aventura" é, na verdade, a ação de um defensor dos povos indígenas e de um excelente jornalista que estavam fazendo um papel de fiscalização e monitoramento que caberia ao Estado brasileiro, se governo tivéssemos. Eles estavam lá exatamente porque o governo Bolsonaro não estava.

A "aventura" não é o que eles foram fazer, mas viver em um país em que o presidente, de um lado, arma a população e, do outro, promove um ambiente de descumprimento das leis.

Aquela região só é violenta, com a livre ação criminosa de pescadores, caçadores, garimpeiros, madeireiros, traficantes de drogas, entre outros, porque o Estado garante isso. Seja por uma histórica ausência em garantir os direitos fundamentais dos povos indígenas, seja porque o atual presidente deu um salvo-conduto a qualquer grupo que atropele as políticas de proteção ao meio ambiente e aos povos e comunidades tradicionais na Amazônia.

O presidente pode tentar, mas não vai conseguir fugir de sua responsabilidade. Conflitos existem antes de sua chegada ao poder, mas ele fez questão de aprofundá-los. Sua gestão agiu sistematicamente para enfraquecer a fiscalização da Funai, tratada como inimiga no governo. A exoneração de Bruno do órgão exatamente porque cumpriu o seu dever é um exemplo disso.

Ele pode repetir isso em várias línguas, do português ao bolsonarês, que vai continuar sendo cobrado dentro e fora do Brasil. E se algo aconteceu com eles, isso vai sim entrar na sua conta.