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Leonardo Sakamoto

REPORTAGEM

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Candidato de Bolsonaro em MG recebe doação de condenado por escravidão

Senador Carlos Viana, candidato ao governo de Minas Gerais - Pedro França/Agência Senado
Senador Carlos Viana, candidato ao governo de Minas Gerais Imagem: Pedro França/Agência Senado

Daniel Camargos

Da Repórter Brasil

05/09/2022 20h34

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O fazendeiro Celso Mânica doou R$ 100 mil para a campanha do senador Carlos Viana (PL), candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao governo de Minas Gerais. Celso é irmão de Antério e Norberto Mânica, condenados por tramarem a emboscada e o assassinato de quatro servidores do Ministério do Trabalho, em 2004, que realizavam uma fiscalização rural de rotina.

Os irmãos Mânica possuem fazendas de plantação de feijão no Noroeste de Minas Gerais. Apesar de não estar envolvido na chacina de Unaí, Celso já foi condenado por submeter trabalhadores a situação análoga à escravidão.

Em 2007, o Superior Tribunal do Trabalho (TST) condenou Celso e os irmãos Norberto e Luiz Antônio a pagarem indenização de R$ 300 mil (R$ 980 mil, em valores atuais), por danos morais coletivos, ao manter trabalhadores em condições desumanas nas fazendas da família.

"Contrataram 2.000 pessoas e as colocaram alojadas em um espaço que só cabia 200", disse a procuradora do Trabalho Adriana Augusta de Moura Sousa para a Repórter Brasil, à época. Além dos três irmãos, também foram denunciados dois "gatos", como são chamados os aliciadores de mão de obra.

Segundo a denúncia do Ministério Público do Trabalho (MPT), os trabalhadores eram contratados em cidades do norte de Minas e da Bahia e ficavam alojados sem privacidade, tinham direito a apenas café, sem sequer um pedaço de pão pelas manhãs, e ficavam sem nenhuma refeição sólida entre 16h, quando o jantar era servido, até as 10h do dia seguinte, horário do almoço.

Na decisão, o ministro do TST Aloysio Corrêa de Veiga afirmou que não havia dúvida de que a conduta dos fazendeiros era de: "aviltar, humilhar e rebaixar a situação do operário a mero fator de produção, sem respeito a seus valores humanos e à sua dignidade"

A Repórter Brasil entrou em contato com o advogado Marcelo Leonardo, responsável pela defesa da família Mânica, mas não obteve retorno de Celso. Já o senador e candidato Carlos Viana, que recebeu a doação eleitoral do fazendeiro, não quis responder às perguntas enviadas pela reportagem - dentre elas, uma sobre a relação dele com a família de fazendeiros e outra a respeito de sua visão sobre a fiscalização trabalhista.

Em 2018, Viana foi eleito com apoio de outro empresário com negócios em Minas Gerais, Luis Fernando Franceschini da Rosa, do ramo da mineração, que doou R$ 100 mil para a campanha do político na época. A contribuição não o impediu de assumir no Senado a relatoria da CPI de Brumadinho, que investigou o rompimento da barragem que deixou cerca de 290 mortos.

Ao ser questionado se a doação eleitoral poderia comprometer sua atuação na CPI, Viana disse que "é comum" políticos se posicionarem a favor de interesses momentâneos, mas que isso "nunca" aconteceu com ele. No relatório final, a CPI recomendou o indiciamento de 14 pessoas por homicídio por dolo eventual, quando se assume o risco de matar.

Viana foi eleito senador em 2018, superando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) na disputa. Ele é jornalista e se destacou como apresentador do jornal regional da TV Record e de um programa da Rádio Itatiaia, a maior de Minas Gerais. Ele era considerado uma versão mineira do apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes.

Eleito pelo PHS, o senador mudou para PSD antes da posse no Senado. Passou para o MDB por apenas três meses até se filiar ao PL, partido de Bolsonaro, com o objetivo de ser o candidato do presidente nas eleições de Minas Gerais. Viana se valeu da falta de acordo entre o presidente e o atual governador Romeu Zema (Novo), que se elegeu na carona do bolsonarismo em 2018, mas agora preferiu manter distância.

Influência política no Noroeste de Minas Gerais

A doação de Celso Mânica para o candidato é mais um capítulo do interesse da família de ruralistas do Noroeste de MG pela política. Antério Mânica foi prefeito de Unaí por duas vezes pelo PSDB, sendo eleito em 2004, apenas nove meses após ter encomendado o assassinato e a morte dos três auditores fiscais do trabalho e do motorista da equipe. Depois, foi reeleito em 2008. Quem comanda atualmente a prefeitura de Unaí é José Gomes Branquinho (PSDB), que foi o vice de Antério nas duas gestões.

Antério foi julgado pela primeira vez em 2015 pela chacina de Unaí e condenado a 100 anos de prisão por ser o mandante do crime. Recorreu da sentença e, como era réu primário, ficou em liberdade. A decisão foi anulada em 2018 e ele foi julgado novamente, em maio deste ano, quando foi condenado a 64 anos de prisão. Porém, por ser réu primário, aguarda o julgamento do recurso em liberdade.

O inquérito entregue pela Polícia Federal à Justiça sobre a chacina de Unaí afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores à família de fazendeiros, sendo que o auditor-fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações a fazendas da família Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

O motorista Aílton Pereira de Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Erastótenes de Almeida Gonçalves, Nelson José da Silva e João Batista Soares Lages morreram na hora.

Também foram envolvidos os pistoleiros Erinaldo de Vasconcelos Silva (o Júnior), Rogério Alan Rocha Rios e William Gomes de Miranda; o contratante dos matadores, Francisco Élder Pinheiro (conhecido como "Chico Pinheiro") e os intermediários Humberto Ribeiro dos Santos, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Castro.