Leonardo Sakamoto

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Opinião

Ironia é vestir branco, pular 7 ondas e atacar religiões afro-brasileiras

Seguimos rituais e tradições que, muitas vezes, não temos ideia de como se espalharam. Por exemplo, o hábito de usar roupas brancas no Ano Novo ganhou tração no Brasil por causa de membros do candomblé que faziam suas oferendas a Iemanjá. Já pular as sete ondas tem relação com a própria e as sete linhas da umbanda, com cada pulo representando um orixá diferente.

"Ah, mas para mim, eles têm significado diferente!" Tudo bem, não precisa se assustar com isso. Não é a única explicação para o branco, também temos a espiritualidade, a paz mundial, a promoção na loja de camisetas, apesar de a influência da religião de matriz africana ter sido determinante para massificar o uso. Além disso, o mais importante é entender que a reorganização e ressignificação de elementos simbólicos por grupos sociais faz parte da dinâmica humana desde tempos imemoriais.

Por exemplo, Jesus de Nazaré não nasceu quando hoje celebramos o Natal - esse dia foi escolhido por autoridades da igreja. O 25 de dezembro era a data de celebração do Nativitas Solis Invicti ou o nascimento do Sol Invicto, uma divindade pagã cultuada no Império Romano.

Quem reclama no sincretismo brasileiro entre religiões de matriz africana e o cristianismo deveria lembrar que o sincretismo foi fundamental no estabelecimento das bases do cristianismo. Afinal, nada como pegar uma festa existente para entregá-la àquele que estava sendo apresentado aos pagãos como o filho de Deus.

O que deveria nos assustar é a violência contra religiões de matriz africana, como os sistemáticos ataques a terreiros e membros do candomblé e da umbanda, acusados por lideranças evangélicas de estarem cultuando forças demoníacas. E, com isso, Exu se tornou um dos maiores alvos de campanhas de fake news da história.

No Rio de Janeiro, narcomilícias impõem uma espécie de decreto religioso em comunidades, proibindo manifestações. Abraçam uma interpretação distorcida da Bíblia cristã e impõem uma cruzada contra os terreiros. Quem quiser entender mais esse processo, sugiro o excelente livro "A fé e o fuzil: Crime e religião no Brasil do século 21", de Bruno Paes Manso, lançado este ano.

Como escrevi acima, você não precisa compartilhar da cosmovisão do candomblé e da umbanda para vestir branco e pular ondas. Dê o significado que você quiser à sua festa.

Mas antes de xingar, caluniar, atacar ou agredir quem professa essas crenças ao longo de 2024, lembre-se que você estava de branco e pulando ondinhas. Somos muitos mais conectados àqueles que não entendemos completamente do que imaginamos.

O ódio não é herdado pelos genes, mas aprendido por intermédio de lideranças que querem nos controlar pelo medo daquilo que não entendemos. Que em 2024, lembremos que temos muitos mais em comum entre nós do que com as tais lideranças.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL