Leonardo Sakamoto

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Opinião

Exército teria abraçado golpe de Bolsonaro se Trump ainda fosse presidente?

A operação da Polícia Federal desta quinta (8) envolveu cinco generais e um almirante por indícios de que articularam-se em uma organização criminosa golpista para manter Bolsonaro no poder. Essa articulação já é a maior ação de fardados graúdos contra a democracia desde 31 de março de 1964.

Jair apenas não consumou o golpe de Estado porque não teve apoio da maioria da cúpula das Forças Armadas. E por que ela não pulou de cabeça? Militares sabiam que a tramoia estava estava rolando e ninguém deu ordem de prisão aos colegas que se assanhavam contra o Estado Democrático de Direito.

Não importa se isso foi fruto de medo, insegurança ou conivência, no final do dia, esse tipo de comportamento fica registrado para a História como omissão. E quem se cala diante de um crime se lesa pátria, com ele consente.

Durante o governo passado, militares tiveram acesso facilitado a cargos e dinheiro, foram beneficiados na reforma das aposentadorias, envolveram-se sem pudor em escândalos sobre vacinas, Viagra e próteses penianas. Por que não continuar via golpe?

O mais provável é que muitos não tenham sentido que o contexto seria favorável. Não para o golpe em si (apesar do risco de ter como protagonista uma figura considerada pelos próprios generais como hipossuficiente), mas quanto ao dia seguinte, em que os golpistas teriam que se firmar como legítimos perante a sociedade e as instituições brasileiras e a comunidade das nações.

Internamente, como mostra o inquérito da PF, eles pretendiam prender geral, a começar pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, mas passando também por políticos, jornalistas, lideranças sociais. O problema é o que fazer quanto aos parceiros lá fora.

E, para a manutenção de nossa democracia, foi fundamental a derrota de Donald Trump na eleição norte-americana de 2020. Caso o herói e aliado de Bolsonaro ainda estivesse no poder, a sinalização dada pela Casa Branca não seria de contrariedade às ações golpistas no Brasil.

Vale ressaltar que o próprio Trump, insatisfeito com o resultado do pleito, incitou a invasão ao Congresso dos Estados Unidos por uma horda de seus seguidores em 6 de janeiro de 2021, inspirando Bolsonaro a fazer a mesma coisa em 8 de janeiro de 2023.

O governo do democrata Joe Biden enviou uma série de recados aos militares brasileiros de que o caminho não deveria ser, desta vez, a "virada de mesa" (para usar a expressão adotada pelo general Augusto Heleno em reunião golpista com Bolsonaro e generais em 5 de julho de 2022).

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Como já foi noticiado em apuração do Financial Times, a mensagem aos generais brasileiros foi de que a Casa Branca não iria tomar partido, mas não aceitaria questionamentos ilegais ao processo de votação ou do resultado.

E, para isso, a estratégia foi demonstrar confiança no nosso sistema eleitoral, seja em reuniões durante viagens ao Brasil, em declarações à imprensa, em eventos com militares e políticos nos EUA.

Por exemplo, após a reunião com embaixadores em que Bolsonaro lançou mentiras sobre a Justiça Eleitoral, a embaixada norte-americana em Brasília divulgou à imprensa que as nossas eleições eram um modelo para o mundo e que os EUA confiam na força das instituições - um claro contraponto.

E rigorosamente após proclamado o resultado, Joe Biden enviou saudações públicas a Lula pelo resultado, em uma velocidade vista como incomum, o que foi visto também como parte do esforço antigolpe.

Ironicamente, a Casa Branca foi criticada por bolsonaristas por tentar intervir em política interna de outro país, lembrando que o governo norte-americanos apoiou uma série de golpes de Estado na América Latina ao longo do século 20, entre eles aquele que levou os fardados ao poder no Brasil há 60 anos.

Mas os militares brasileiros entenderam que teriam problemas na boa relação com os militares norte-americanos e, ato contínuo, com os da OTAN, caso embarcassem no golpismo.

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Não existe o condicional "se" em História, o que aconteceu aconteceu e há tantos elementos que convergem para determinado fato que é difícil cravar que algo poderia ter sido diferente.

A cúpula militar brasileira, contudo, teria menos pudor em pular de cabeça no plano golpista bolsonarista, caso os fatores externos estivessem favoráveis. A despeito de eventuais nomes que mantiveram seus princípios, ao que tudo indica, a questão não foi de legalidade, mas de oportunidade.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL