Leonardo Sakamoto

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Opinião

Para 'pacificarem' o Brasil, Alcolumbre e Motta não podem anistiar golpista

O novo presidente do Senado, David Alcolumbre, se foi sincero ao dizer que o melhor caminho é a "pacificação" e que a anistia a golpistas "não é prioridade do Brasil" não poderá ceder às pressões daqueles que querem ver perdoados os que tramaram e executaram um ataque contra a democracia entre o segundo turno de 2022 e 8 de janeiro de 2023. Anistia a quem tenta dar um golpe de Estado não é trazer paz, mas incentivar uma nova tentativa, mais forte e mais violenta, no futuro.

"O melhor caminho para o Brasil, para a defesa do povo brasileiro é a pacificação, é a conciliação, é a união nacional em favor das causas que verdadeiramente ser ditas pelo Parlamento brasileiro. Porque só a união pode transformar a vida das pessoas. Então eu quero ser esse catalisador, se for possível, de ouvir todos os pontos de vista, de todas as questões", afirmou após ser reconduzido ao cargo, neste sábado (1º), por 73 dos 81 senadores.

"Pacificação" é um termo que vem sendo usado por Jair Bolsonaro e inclui, na opinião do ex-presidente, a anistia aos golpistas.

A aprovação de um projeto para perdoar e garantir os direitos políticos a todos os participantes de atos golpistas desde o segundo turno das eleições de 2022 é uma das principais pautas da extrema direita dentro e fora do Congresso Nacional. Para além dos executores dos ataques às sedes dos Três Poderes no 8 de janeiro de 2023, a proposta quer evitar a punição de Bolsonaro e seus sócios, de políticos a generais, que planejaram ficar do poder a despeito da vontade das urnas.

Questionado depois, em entrevista à GloboNews, Alcolumbre foi claro ao dizer que a pauta da anistia "não vai pacificar o Brasil" e "não é a prioridade do Brasil, nem do parlamento brasileiro".

"Se nós continuarmos trazendo à tona assuntos que trazem a discórdia em vez da concórdia, a gente vai passar nos corredores do Senado Federal e ver senadores de diferentes partidos agredindo uns aos outros. E quando um senador agride um ao outro por uma única causa, ele não está interessado na agenda do brasileiro", afirmou.

Mas também apontou que "nós não podemos nos furtar de debater qualquer assunto", que "discutir o assunto não quer dizer que está apoiando o tema" e pediu compreensão dos atores políticos para não "contaminar o debate".

O tema é uma das pautas mais importantes na avaliação da base bolsonarista, que exige vê-la discutida, votada e aprovada. Isso foi tema, inclusive, da discussão sobre o apoio que seria dado tanto a Alcolumbre quanto a Hugo Motta, que venceu a disputa pela Presidência da Câmara.

Motta, aliás, em seu discurso após eleito, citou 28 vezes a palavra "democracia", repetiu Ulysses Guimarães ao afirmar "tenho ódio e nojo da ditadura" e fez referência ao filme "Ainda Estou Aqui", que conta a história da luta de Eunice Paiva, viúva ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura militar.

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Pacificação só é possível sob a proteção das garantias democráticas. E ataques ao sistema eleitoral, bem como golpes de Estado e tentativa de dissolução violenta do Estado democrático de direito, não podem estar sob esse guarda-chuva. Pelo contrário: a partir do momento em que nos tornamos tolerantes com quem quer o fim da democracia, encomendamos a extrema unção de nosso regime político.

Sob a justificativa de "pacificar" o país, o bolsonarismo tenta convencer a turma que faltou às aulas de História que o melhor é um arranjo para não puni-lo pelos crimes que cometeu.

Porém, o apelo para que quem tramou contra a democracia pague por tudo o que deve não é vingança, nem revanchismo. Tampouco é parecido com o projeto de sociedade miliciana defendido pelo extremismo, onde a Justiça é trocada pelo justiçamento - na qual a mediação dos conflitos pelas instituições é substituída pela possibilidade de cada um resolver seus problemas na base da força.

Pelo contrário, os envolvidos nas tramas golpistas precisam ser denunciados, processados, julgados e punidos, com todo o direito à defesa. Se quiserem realmente fortalecer o Estado Democrático de Direito, o que dizem fazer, não deveriam tentar impedir o curso da Justiça. De novo.

Que David Alcolumbre e Hugo Motta não resolvam participar do que seria uma histórica chanchada.

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Este colunista dá uma folga a seus leitores e estará de férias por duas semanas. Aproveitem.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL