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Observatório das Eleições

As coligações e o enxugamento do quadro partidário

O cientista político Jairo Nicolau, do CPDOC/FGV, especialista em sistemas eleitorais - Folhapress
O cientista político Jairo Nicolau, do CPDOC/FGV, especialista em sistemas eleitorais Imagem: Folhapress

01/10/2020 04h01

Jairo Nicolau*

Os dirigentes partidários brasileiros sempre tiveram que fazer uma escolha difícil antes das eleições com relação aos seus candidatos a cargos proporcionais (vereadores e deputados): apresentar uma lista somente com nomes que pertencem ao partido ou coligar-se com outras legendas? A decisão envolvia uma série de aspectos: o potencial eleitoral do partido, a barganha pelo tempo de televisão nas eleições para o Executivo e as negociações a respeito de um eventual apoio a um futuro governo.

A partir desse ano, o dilema dos dirigentes chega ao fim, já que entra em vigor a proibição de coligação nas eleições proporcionais. Essa mudança provavelmente produzirá um forte impacto no sistema partidário brasileiro. Mas qual a razão para que uma singela alteração da legislação possa afetar significativamente a representação dos partidos? Antes de responder, vale a pena lembrar de duas mudanças feitas recentemente no sistema eleitoral que passaram desapercebidas por muitas pessoas que acompanham a política.

PSL perdeu 7 cadeiras em SP em 2018 por conta de nova regra

A primeira, que já vigorou nas eleições de 2016 e 2018, é a exigência de que um candidato obtenha pelo menos 10% do quociente eleitoral para ser eleito (o quociente eleitoral é o resultado da divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras em disputa). Por exemplo: se em uma eleição o quociente eleitoral é de 20 mil votos, um candidato precisa obter pelo menos 2 mil votos. Um partido que, por conta do quociente partidário (resultado da divisão do total de votos do partido pelo quociente eleitoral) consegue uma cadeira, perde essa posição se o candidato que a ocuparia tem uma votação menor que estes 10% do quociente eleitoral (digamos 1.800 votos).

Isso aconteceu com o PSL em São Paulo nas eleições de 2018. O partido perdeu sete cadeiras na disputa para a Câmara dos Deputados por conta da regra dos 10%. O quociente eleitoral no estado foi de 301.460 votos; para ser apto, um deputado necessitava obter 10% desse valor (30.146 votos). Sete candidatos do PSL, que teriam sido eleitos pela regra anterior, obtiveram menos votos do que esse patamar.

Fim da cláusula de barreiras para partidos beneficia os partidos pequenos

A segunda mudança importante no sistema eleitoral brasileiro entrou em vigor 2018, quando o quociente eleitoral deixou de funcionar como cláusula de barreira para os partidos. Até então, se um partido não atingisse o quociente ele estava fora da distribuição das cadeiras (daí a ideia de cláusula de barreira). A nova mudança, portanto, acabou beneficiando os pequenos partidos.

A severidade da cláusula de exclusão, sobretudo em cidades e estados que elegem um número reduzido de parlamentares, era o pavor de muitos políticos. Numa cidade com nove vereadores, por exemplo, a cláusula de barreira é de 11,1% dos votos. Por isso, era tão comum a prática da coligação; ao juntarem seus votos os partidos aumentavam a probabilidade de ultrapassar o quociente eleitoral. Em pequenas cidades, era muito frequente que os diversos partidos se agregassem em apenas duas ou três coligações para concorrer à Câmara Municipal.

Eleições de 2020 com regra inédita: o fim das coligações no proporcional

O fim das coligações (mesmo com o fim do quociente eleitoral como cláusula de barreira) afetará os pequenos partidos que a utilizavam com o intuito de ultrapassar o quociente eleitoral; por vezes coligando-se entre si, outras vezes buscando a aliança com um partido grande que conseguia ultrapassar o quociente com certa segurança.

Nas eleições municipais de 2020 observaremos uma queda drástica do número de partidos representados nas Câmaras Municipais. Cerca de de 95% das cidades brasileiras elegem até 10 vereadores (o mínimo são nove). Nessas cidades, por conta do fim das coligações, a tendência é que apenas dois ou três partidos consigam eleger vereadores, deixando de fora da representação um número expressivo de legendas existentes no município.

Após o fim das eleições de 2020 devemos assistir a um inevitável processo de incorporação e fusão dos partidos. Serão milhares de candidatos e muitos partidos pequenos que devem dar-se conta que os estímulos oferecidos na "Era da hiper-fragmentação partidária" acabaram. Alguns partidos já concorrerão em 2020 sem os recursos do Fundo Eleitoral e sem poder fazer propaganda no horário eleitoral gratuito. Todos os partidos perderam a via mais fácil para chegar ao Legislativo (coligação). Tudo leva a crer que, paulatinamente, estejamos caminhando para uma nova fase: "A Era da fragmentação partidária moderada".

*Jairo Nicolau é pesquisador do CPDOC /FGV e autor dos livros "Representantes de quem", e "O Brasil dobrou à direita", ambos publicados pela Zahar.