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Observatório das Eleições

O PT perdeu. O que vai ser do partido em 2022?

05 nov. 2020 - Jilmar Tatto (PT) participa do lançamento do Manifesto da Saúde, na Praça Ramos de Azevedo - ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
05 nov. 2020 - Jilmar Tatto (PT) participa do lançamento do Manifesto da Saúde, na Praça Ramos de Azevedo Imagem: ROBERTO CASIMIRO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

04/12/2020 04h00

Carlos Ranulfo Melo*

Neste pós-eleição, muito tem se comentado sobre a derrota do PT. Sobram análises que apostam em um fim de linha ou sustentam que o partido perdeu a posição de maior legenda da esquerda brasileira. Das duas uma: ou são mal informadas ou enviesadas.

É óbvio que o PT se deu mal nas urnas. Parte do resultado deve ser creditada à orientação tática emanada da Direção Nacional. Mas só parte, já que os erros vêm se acumulando há tempos. Não é possível entrar a fundo no tema, por isso aqui vai apenas uma síntese.

Enquanto foi governo, o PT errou tanto ao deixar acontecer e se envolver, desde os tempos de Lula, em esquemas de desvios de recursos públicos, como também na condução da política econômica sob Dilma. Reconhecer tais fatos não implica em compactuar com a hipocrisia.

Muitos dos candidatos que nesta eleição aproveitaram-se dos resultados da Lava Jato para atacar o PT tiveram os seus partidos chafurdando na mesmíssima lama. Mais ainda, vale lembrar que durante 2015 o governo Dilma teve todas as suas iniciativas voltadas para o enfrentamento da crise econômica bloqueadas na Câmara, sob a batuta de Eduardo Cunha e com o prestimoso auxílio de todos os partidos que, sob Temer, se juntariam para "salvar" o país.

Após o impeachment de Dilma o partido continuou errando. Primeiro, ao se prender à narrativa do golpe. Sem entrar, por uma questão de espaço, na discussão sobre o processo de interrupção do mandato da petista, o fato é que a denúncia do golpe serviu para dizer que tudo era culpa dos outros (golpistas, traidores, etc.) e com isso bloquear qualquer tentativa de discussão interna sobre onde o partido havia errado.

Os erros se mantiveram após os processos e a prisão de Lula. A evidente parcialidade, para não dizer má fé, de Moro e Dallagnol não justifica que toda a ação política do partido, a começar pela candidatura de Fernando Haddad, tenha se tornado caudatária da necessidade de resgatar a imagem de sua maior liderança.

A sequência de erros serviu para blindar, internamente, a direção partidária. Isso explica por que o núcleo dirigente articulado em torno de Lula teve condições de colocar a cereja no bolo - a tática para as eleições de 2020. Ignorando todo o desgaste acumulado e a força do antipetismo, o partido decidiu priorizar o lançamento de candidaturas próprias pelo país afora. O resultado foi ruim.

Mas daí a decretar o "colapso" do PT vai uma enorme distância. É certo que o partido perdeu prefeituras e teve menos vitórias que PSB e PDT, para ficar em uma comparação com outras legendas situadas à esquerda do espectro partidário brasileiro. Mas vale lembrar que isso já havia acontecido em 2016 e, no entanto, Haddad teve cerca de 18 milhões de votos a mais do que Ciro Gomes em 2018.

Eleições municipais são importantes, mas não dizem tudo. Também em 2018, depois do desastre de 2016, o PT fez a maior bancada da Câmara, elegendo 28 e 24 deputados a mais do que PDT e PSB respectivamente. No Senado, foram quatro petistas, dois pedetistas e dois socialistas.

Apesar das derrotas, não se pode falar em colapso nas eleições de 2020. Depois de ficar com os "grotões" em 2016, o PT começou a recuperar a competitividade nas grandes cidades. Elegeu cinquenta vereadores nas capitais, a segunda colocação entre todos os partidos. Em São Paulo, vai dividir a condição de maior bancada na Câmara com o PSDB, apesar de alguns analistas terem dito que o partido fora "varrido" da capital paulista. Nos municípios com mais de 200 mil habitantes, passou de quatro para sete prefeituras, o melhor desempenho entre a esquerda.

Foi o partido com maior presença no segundo turno e o único, novamente dentre as siglas de esquerda, a disputar nas cinco regiões do país. Mas perdeu 11 em 15. Sim, e quem se der ao trabalho de verificar a votação do partido nestas cidades vai perceber que, em média, seus candidatos obtiveram mais de 44% dos votos - apenas em Caxias do Sul e Anápolis, a candidatura petista não alcançou 40% dos votos. Perder é do jogo, mas não conta toda a história - o partido saiu bem votado.

Deixando as eleições de lado, e segundo levantamento do G1 realizado em junho de 2019, o PT é o partido com maior número de Diretórios Municipais no país. São cerca de 2.900, um número consideravelmente maior do que o PSB (cerca de 800) ou o PDT (cerca de 600). Possui também muito mais militantes: em 2019, 350 mil filiados votaram nas eleições internas, algo impensável para o padrão dos partidos brasileiros. Isso para não mencionar toda uma geração de dirigentes, intelectuais e quadros técnicos experimentados em anos de boas administrações públicas nos três níveis da federação - o que, diga-se de passagem, evidencia o absurdo dos que, ao analisar a eleição sob a ótica dos "extremos", insinuam alguma equivalência entre PT e Bolsonaro .

O capital político petista não pode ser desconsiderado. Pelo contrário, ele ajuda a explicar porque, apesar de toda a crise vivenciada desde 2015, 16% da população brasileira - segundo pesquisa realizada em outubro pelo projeto "A Cara da Democracia no Brasil" - identifica-se com o partido. Em comparação, 1% se identificam com o PSB ou o PDT. A este respeito, não custa lembrar que Ciro Gomes é um neo-pedetista: antes passou por PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB e PROS.

O PT perdeu. Entre outras coisas, perdeu a condição de ditar unilateralmente os rumos da esquerda no Brasil e vai ter que aceitar esse fato. Isso significa que a cabeça de chapa em uma frente de centro-esquerda para 2022 encontra-se em aberto, sem pré-condições. Mas engana-se quem pensa que o partido pode ser descartado. Uma frente sem o PT nasce manca e não vai longe.

* Carlos Ranulfo Melo é graduado em Geologia (1981), mestre em Ciência Política (1994) doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1981), e pós-doutor na Universidade de Salamanca (2006/2007). É professor titular do Departamento de Ciência Política e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG.

Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2020, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br