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Reinaldo Azevedo

"In Fux Moro trusts". Ministro da Justiça continua a jantar Bolsonaro

Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Fátima Meira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

23/01/2020 08h37

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O circo já estava armado, como resta evidente, e o ministro Luiz Fux esperou apenas assumir o plantão do Judiciário para suspender, sem prazo, a eficácia da lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro que cria o juiz de garantias. As 43 páginas da decisão, tudo indica, estavam redigidas há muito. Trata-se de mais uma dobradinha histórica do ministro com a Lava Jato e com Sergio Moro, agora pré-candidato à Presidência da República e num trabalho franco de fritura de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro.

O tempo se encarregará de evidenciar — quando o mérito for julgado; a questão é saber quando — que nada há de inconstitucional do texto aprovado pelo Congresso. Quem ler o despacho de Fux encontrará uma argumentação cediça no que concerne à suposta inconstitucionalidade da mudança aprovava pelo Congresso, daí que procure chamar a atenção para o suposto impacto orçamentário da medida.

As páginas 18 e 19 da decisão de Fux são esclarecedoras. Escreve o ministro:
"sob uma leitura formalista, poder-se-ia afirmar que, ao instituírem a função do juiz de garantias, os artigos 3º-A ao 3º-F teriam apenas acrescentado ao microssistema processual penal mera regra de impedimento do juiz criminal, acrescida de repartição de competências entre magistrados paras as fases de investigação e de instrução processual penal. Nesse sentido, esses dispositivos teriam natureza de leis gerais processuais, definidoras de procedimentos e de competências em matéria processual penal, o que autorizaria a iniciativa legislativa por qualquer dos três poderes, nos termos do artigo 22 da Constituição."

É precisamente o que faz a lei que cria o juiz de garantias, conforme, lembra o próprio ministro, define o Artigo 22 da Constituição no Inciso I:
"Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho".

Atenção: sempre que um juiz escreve algo como "SOB UMA LEITURA FORMALISTA", ele está se preparando para dar um cavalo de pau na tal "forma" — e direito sem forma é arbítrio — para operar na esfera do puro solipsismo. Sem a forma, direito passa a ser aquilo que quem manda julga ser direito. Aí se abrem as portas para o vale-tudo.

E Fux então emenda:
"a criação do juiz das garantias não apenas reforma, mas refunda o processo penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de qualquer unidade judiciária criminal do país. Nesse ponto, os dispositivos questionados têm natureza materialmente híbrida, sendo simultaneamente norma geral processual e norma de organização judiciária, a reclamar a restrição do artigo 96 da Constituição."

É uma das maiores falácias que já foram paridas naquele tribunal. Resta evidente que a lei que criou o juiz de garantias não definiu norma nenhuma de organização judiciária. O QUE FEZ FOI ESTABELECER UM PRINCÍPIO, COMO É DE COMPETÊNCIA DO CONGRESSO, RECONHECIDA PELA CONSTITUIÇÃO, cabendo ao Judiciário a sua estruturação, conforme estabelece o Artigo 96, citado pelo ministro.

Justamente porque essa estruturação demanda tempo, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, havia estabelecido um prazo de 180 dias. Fux não hesitou: no exercício da Presidência, cassou a liminar do seu colega de tribunal.

A decisão de Fux é de tal sorte exótica que escreve:
"A título de exemplo, imagine-se, por hipótese, que esses dispositivos questionados efetivamente entrem em vigor in totum, após a vacatio legis de 30 dias determinada pelo artigo 30 da Lei n. 13.964/2019. Considerando que as leis processuais têm vigência imediata em relação aos atos processuais futuros, um juiz titular de vara criminal estaria impedido de atuar na quase totalidade do acervo de ações penais em trâmite naquela unidade judiciária, na medida em que muito provavelmente teria atuado na fase investigativa anterior a essas ações penais, no exercício de atribuições elencadas no art. 3º-B, como de competência do juiz de garantias"

Os 30 dias a que ele se refere já tinham sido suspensos pela liminar de Toffoli, que ele solenemente ignora, evidenciando que estava apenas esperando a oportunidade para meter o canetaço numa decisão do Congresso Nacional.

O DINHEIRO
O ministro argumenta ainda que não se conhece o impacto orçamentário da criação do juiz de garantias. Parece partir do pressuposto -- falso -- de que a nova lei cria novos cargos e despesas. Escreve:
"(...) percebe-se que os dispositivos que instituíram o juiz de garantias violaram diretamente os artigos 169 e 99 da Constituição, na medida em que o primeiro dispositivo exige prévia dotação orçamentária para a realização de despesas por parte da União, dos Estados, do Distrito Federal, e o segundo garante autonomia orçamentária ao Poder Judiciário."

Pela ordem:
1: não há despesa nova nenhuma; o Judiciário decidiria a redistribuição dos trabalhos. Não é preciso ser muito bidu para perceber que o processo está sendo dividido em duas etapas apenas, com juízes distintos; o trabalho é o mesmo;
2: desafio o ministro a demonstrar em que parte da lei há a interferência na autonomia orçamentária do Judiciário.

COMO ESQUECER?
Luiz Fux é mesmo um prodígio quando se trata de dinheiro público. Em 2014, estendeu a todos os juízes e membros do Ministério Público o tal auxílio-moradia. Ele nunca levou a questão a julgamento. A liminar só foi revogada no fim de 2018. A decisão deste tão preocupado ministro custava em torno de R$ 1,2 bilhão por ano. Ao dar a liminar, ele não pensou se estava ou não criando nova despesa sem previsão orçamentária. Estava. Não é o caso da lei que institui o juiz de garantias.

"IN FUX MORO TRUSTS"
Estamos diante de uma dobradinha. Como esquecer a frase histórica de Sergio Moro, pré-candidato à Presidência da República, que vem militando contra o juiz de garantias, confrontando-se abertamente com seu chefe, o presidente da República?

No dia 22 de abril de 2016, como revelou o site The Intercept Brasil, Deltan Dallagnol relata a procuradores um encontro que manteve com Fux, ministro do Supremo. Explicam-se as circunstâncias: o então juiz tinha sido repreendido publicamente pelo ministro Teori Zavascki, relator do petrolão no tribunal, por ter divulgado trecho de um grampo duplamente ilegal que trazia um diálogo entre Dilma Rousseff, presidente da República à época, e Luiz Inácio Lula da Silva.

Dallagnol deixa claro que ele e Fux haviam conversado sobre o assunto. Transcrevo a mensagens do procurador a seus pares, que foi depois retransmitida a Moro.
DELTAN: Caros, conversei com o FUX mais uma vez, hoje. Reservado, é claro: O Min Fux disse quase espontaneamente que Teori fez queda de braço com Moro e viu que se queimou, e que o tom da resposta do Moro depois foi ótimo. Disse para contarmos com ele para o que precisarmos, mais uma vez. Só faltou, como bom carioca, chamar-me pra ir à casa dele rs. Mas os sinais foram ótimos. Falei da importância de nos protegermos como instituições. Em especial no novo governo.

Ao receber cópia da conversa, Moro responde:
"Excelente. In Fux we trust"

Como se vê, o pré-candidato à Presidência pode continuar a confiar em Fux, não é mesmo. A lealdade do notável magistrado a seus pares de tribunal continua a mesma. Também não mudou o seu desapego à "forma" da Constituição.

Enquanto isso, Bolsonaro continua por aí a caçar "viés ideológico"...