Lama do reacionarismo: Moro e Bolsonaro lutam para ser o fascistoide-chefe
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Como juiz obrigado à isenção, Sergio Moro mostrou-se uma fraude. Os diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil e parceiros o evidenciaram de maneira iniludível, inescapável, irretorquível. E acrescentem-se aí outros vocábulos para significar a irredutibilidade do que apontam os fatos. Estivesse ainda na magistratura, seria, como foi, a sua expressão mais vergonhosa, mais constrangedora, mais desenganadamente — recorrendo ao advérbio da lavra do ministro Marco Aurélio, do Supremo — desmoralizante.
Não se comporta de modo diferente como ministro de Estado. A mesma empáfia, a mesma arrogância, a mesma irresponsabilidade.
Irresponsabilidade? Sim, no sentido etimológico da palavra. A palavra deriva do verbo latino "respondeo". Um de seus significados é "corresponder a um compromisso anteriormente assumido".
Um juiz se compromete com um conjunto de regras e procedimentos. O maior deles é a Constituição. O mesmo peso institucional e moral, consubstanciado no conjunto de leis, pesa sobre os ombros de um ministro de Estado. Quando alguns afirmam por aí que sou severo demais — há mesmo quem diga "injusto" — com Moro, entendo que a crítica parte daqueles que estão dispostos a ceder partes do território da legalidade a aventureiros que se oferecem como salvadores da pátria, como paladinos de uma moralidade abstrata ainda não alcançada pelo arcabouço legal, como intérpretes de alguma mensagem do além, só compreendida por demiurgos.
Todos os meus "sins" e "nãos" no território da vida pública dispensam aportes subjetivos, solipsismos, triunfo de vontades. Só a lei me interessa. E Moro a desrespeitou de maneira miserável como juiz e agora como ministro da Justiça. O mundo das palavras instrui. Se ser "responsável" implica "corresponder a compromisso anteriormente assumido", o verbo "respeitar" quer dizer, literalmente, "olhar para trás" — vale dizer: entender que toda ação se inscreve numa trajetória; que é preciso entender o que se deu antes; que esse "agora" será visto adiante por outros que também olharão para trás: PARA NÓS.
Como juiz, a irresponsabilidade de Moro, no sentido que a abordo aqui, não tinha como não ser desrespeitosa. O valor maior que se alevantou — combater a corrupção — forneceu-lhe o vasto território do vale-tudo. Corrijo-me: o terreno legal é finito; o da transgressão, por sua vez, é mais do que vasto; é infinito porque sem regras. Nesse caso, contam a vontade da hora, a formação de maiorias de ocasião, o adensar-se de ondas de opinião. Ao vale-tudo se agrega toda sorte de pistolagem organizada, disposta a assaltar a institucionalidade.
Assim Moro se estabeleceu como juiz. Ofereceu cabeças sangrando na bandeja a uma audiência sempre ávida por mais cabeças, de maneira que um copo de sangue sempre lhe assanhava a vontade por outro. Foi construindo, no percurso, a própria biografia, instrumentalizando em benefício de sua carreira política a justa sede de justiça. Não por acaso, encontramos hoje como ministro do presidente o então juiz que condenou um seu adversário à prisão, impedindo que este fizesse com aquele a disputa política. Com a toga nos ombros, Moro tirou da disputa o principal adversário daquele a que viria servir pouco depois.
Na saga para construir a própria lenda, ignorou os interesses do país. Os 18 mil juízes que há no Brasil — mais ou menos 2 mil deles federais — sabem que é perfeitamente possível combater a corrupção sem violar a Constituição e o Código de Processo Penal. E sem quebrar empresas. O paladino jamais tomou esses cuidados. Afinal, tinha dado início a uma corrida que tem como ponto de chegada a Presidência da República. E hoje ele disputa com Bolsonaro, na lama do reacionarismo mais abjeto, a condição de representante do caos.
Moro não condenou a greve ilegal de policiais que se amotinaram e se manifestaram de uniforme, encapuzados e de arma na mão. Instrumentaliza um ato tresloucado, sim, do senador Cid Gomes para se escusar de responder ao óbvio: a greve afronta a Constituição. Ocorre que o irresponsável, o que não respeita as instituições nem o papel que lhe confere a República, continua empenhado em vencer aquela disputa na lama do reacionarismo.
Assim agem mundo afora os fascistoides que pretendem pôr fim à sociedade das garantias públicas e individuais. Nesse sentido, uniformizados armados e amotinados constituem o exército reserva do Mussolini de Maringá e de suas ambições.
Os que, na imprensa, se apressaram em escrever a biografia do demiurgo, com seus panegíricos de soberba ignorância política, terão agora de se dedicar ou à correção de delírios ou a servir, com ainda mais sujeição, ao candidato a tirano, que chafurda numa poça de sangue, parabenizando, claro!, os responsáveis pela carnificina.
Chamo a atenção para o ódio que este senhor devota à ordem democrática desde 2014, ano em que começou a Lava Jato.
Eis aí.