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Reinaldo Azevedo

O ultraliberal passadista Guedes tem de ler Marx e Engels para ser eficaz

Desenho retrata Marx e Engels cuidando de um texto em parceria. Bem, cumpre agora a Paulo Guedes ler um livro de autoria da dupla de comunistas para ser mais eficaz como ultraliberal  - Reprodução
Desenho retrata Marx e Engels cuidando de um texto em parceria. Bem, cumpre agora a Paulo Guedes ler um livro de autoria da dupla de comunistas para ser mais eficaz como ultraliberal Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

12/03/2020 07h49

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Ah, meus caros... Faltou ao suposto liberal Paulo Guedes ler alguma coisa de... Karl Marx e Friedrich Engels. O que quero dizer com isso? É... Acho que vou ter de me explicar.

Assim que estourou a bomba da derrubada do veto à elevação dos gastos com o Benefício de Prestação Continuada, a área econômica resolveu entrar em ação, alertando para as dificuldades. Paulo Guedes, ministro da Economia, contava com uma audiência qualificada para expressar a preocupação do governo porque já tinha agendado uma reunião com lideranças do Congresso para tratar de medidas emergenciais para enfrentar as consequências do coronavírus.

Ocorre que Guedes, como bombeiro, será sempre um ótimo incendiário. No encontro fechado com deputados e senadores, não apresentou plano emergencial nenhum, fez digressões sobre a forma de expansão do capitalismo na Ásia e os erros do capitalismo no Ocidente, cobrou que os congressistas abraçassem a agenda do governo e eximiu o Executivo de quaisquer responsabilidades. Resultado: muitos parlamentares se levantaram e foram embora, sob protestos.

Enquanto isso, o Nero chefe negava que estivesse dando apoio ao ato em favor do fechamento do Congresso, ainda que banner da Secom, com a marca do governo federal, dissesse o contrário.

Afirmou Guedes, segundo informa o Estadão:
"O Congresso reage (ao governo) e aprova mais despesas, que não são as que queremos atingir, derrubamos o teto (de gastos), vamos para LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), o governo trava os recursos, onde vamos parar? Queremos processo de confronto agora? Disputa política hoje? Ou hoje temos que estar juntos para dar uma solução para a população brasileira?"

Notem que, na sua formulação, inexiste um presidente que se nega a formar uma base de apoio e que descumpre a céu aberto o que combina com o Congresso.

Ainda segundo o jornal, Guedes resolveu colonizar as almas:
"A China saiu da miséria, o Sudeste da Ásia escapou da miséria, o Leste Europeu escapando da miséria. Todos se integrando às cadeias globais de valor. Criação imensa de riqueza, 3,7 bilhões de seres humanos saíram da miséria graças a essa onda de globalização que interpenetrou as economias e criou bilhões de empregos... Enquanto isso, o Ocidente sofreu. O Ocidente não conseguiu reagir na velocidade necessária, então os sistemas políticos entraram em tensão".

Que Ernesto Araújo e Olavo de Carvalho não o ouçam, não é mesmo? Como se sabe, a alma profunda desse governo rejeita esse tal "globalismo", uma das tramoias, como se sabe, do comunismo internacional...

A verdade é que não temos um governo. Um ultraliberal passadista resolveu se juntar com reacionários fanáticos para emplacar a sua agenda. Os reacionários fanáticos, por sua vez, viram no ultraliberal passadista um instrumento para seduzir empresários e o mercado financeiro. Essa soma exótica de esforços resulta em entropia. Não fosse a boa-vontade do Congresso, nem a reforma da Previdência teria saído do papel. E, no entanto, lá está Guedes a transferir para o Parlamento a inteira responsabilidade pela governabilidade, enquanto seu chefe se comporta como o aluno meio marginal do fundão.

Ou por outra: quando Guedes deixou a reunião com os parlamentares, a irritação era maior do que antes da sua chegada — e isso também não é novo.

E O MARX, REINALDO?
Explico. Em "A Ideologia Alemã", Marx e Engels citam a disputa entre a França e a Alemanha pela posse da Alsácia-Lorena e ironiza aqueles que se ocupam mais do, digamos, proselitismo espiritual do que das ações práticas para conquistar o território. Escreve:
"(...) transformam a Canção do Reno em hino espiritual e conquistam a Alsácia-Lorena pilhando a filosofia francesa, em vez de pilharem o Estado francês, e germanizando o pensamento francês, em vez de germanizarem as províncias francesas".

Os senhores deputados e senadores não precisam ter suas almas colonizadas pelo pensamento de Guedes. Melhor ele fará se deixar o seu catecismo de lado e apresentar propostas práticas para enfrentar o que vem por aí — o que, até agora, não aconteceu.

Cobrar que o Congresso se renda a Bolsonaro pressuporia, para começo de conversa e se fosse o caso (nunca será), saber o que quer exatamente... Bolsonaro, além de se comportar como um arruaceiro capaz de incentivar a marcha de fascistoides contra dois Poderes da República.

Notem: os parlamentares não precisam que Guedes atue como um padre, pastor ou guru do livre mercado, da globalização, do estado enxuto, do equilíbrio fiscal... A Alemanha não perdeu para sempre a região da Alsácia-Lorena para a França por falta de convicção. É que os franceses foram mais competentes na ocupação.

Além de tentar conquistar almas e pedir a rendição do Congresso, o que mais Guedes tem a oferecer?