Bolsonaro, o empirista das trevas, quer ver os cadáveres para acreditar
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Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, vem enfrentando, até aqui, com competência e serenidade a crise causada pelo coronavírus. Não escolhe o terreno fácil do alarmismo, o que não quer dizer que esteja tentando minimizar os efeitos deletérios da doença. E, por isso mesmo, já entrou em rota de colisão com ninguém menos do que... Jair Bolsonaro. O presidente está insatisfeito com o seu protagonismo e acha que o ministro não o defende, evitando abraçar — ainda bem! — a sua tese criminosa do suposto alarmismo.
Todos os chefes de Estado relevantes de países atingidos pelo coronavírus têm tomado medidas muito duras. E isso inclui aquele que Jair Bolsoanro escolheu para ser o seu guia: Donald Trump. Antes de ser devidamente informado sobre a tragédia que se anunciava, o presidente americano também tentou minimizar os riscos da crise. Mas logo mudou de rumo. Bolsonaro é hoje o lobo solitário da estupidez, tentando dar murro em ponta de faca.
No meu programa de rádio, cheguei a ironizar: nós, da imprensa, devemos começar a pedir a cabeça do ministro Mandetta, num esforço de mantê-lo no governo. Bolsonaro é binário e primitivo. Se tem um ministro elogiado pela "grande mídia", como eles dizem por lá, então é sinal de quem vem fazendo algo de errado. Como sabemos, os seus exemplos de competência são Abraham Weintraub, da Educação, e Damares Alves, da Família.
Mandetta comete o desatino, num governo composto por uma maioria de celerados, de falar uma linguagem técnica.
Na entrevista coletiva desta terça, por Intenet, sem a presença física dos jornalistas na sala, o ministro afirmou:
"Nós estamos imaginando que nós vamos trabalhar com números ascendentes, espirais em abril, maio, junho. Nós vamos passar aí 60 a 90 dias de muito estresse para que, quando chegarmos ao fim de junho, julho, a gente imagina que entra no platô. Agosto, setembro a gente deve estar voltando, desde que a gente construa a chamada imunidade de mais de 50% das pessoas".
Ou por outra: assim será desde que se faça a coisa certa. E já haverá grandes sortilégios. Felizmente, a sociedade, com destaque para parte considerável das empresas, está optando pelo caminho correto: quando possível, as pessoas estão fazendo em casa seu trabalho, evitando a exposição aos meios de transporte e a aglomeração em salas.
Segundo Bolsonaro, isso não passa de histeria. Raciocínios como o exposto por Mandetta mexem com os seus bofes. O presidente não acredita em ciência, em matemática, em projeções com base nos números. É um empirista das cavernas. Se é verdade que o coronavírus pode matar muitos milhares caso não se faça a coisa certa e não se opte por uma estratégia de redução se danos, ele só se daria por vencido quando posto diante dos cadáveres.
Sim, é verdade: o vírus só seria contido com rapidez se todas as pessoas parassem de circular para que se pudesse identificar, isolar e tratar os contaminados. Mas isso, obviamente, é impossível. Mas se pode reduzir drasticamente a atividade.
O crescimento do número de mortos — e ele virá infelizmente — acabará por convencer alguns bolsões ainda recalcitrantes sobre a gravidade da crise.
Os governadores também têm feito seu trabalho para minimizar a circulação de pessoas — e, pois, do vírus.
Bolsonaro está indignado na condição de único líder a ter recebido a revelação de que esse negócio de coronavírus tem algo a ver com uma grande conspiração dos maldosos chineses...
Terá de responder politicamente por suas escolhas. E, num país em que houvesse um procurador-geral da República e um ministro da Justiça que levassem a sério seus respectivos cargos, já estaria sendo investigado por inquérito da Polícia Federal.
Por quê? Porque, no domingo, ele fez uma escolha em favor do vírus. E reiterou essa opção em três entrevistas posteriores.
Esperamos todos que Mandetta continue a honrar a sua condição de médico.
Demita Mandetta, Bolsonaro! Queremos que ele fique.