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Reinaldo Azevedo

O homem que implora pelo impeachment ignora o vírus e só pensa na reeleição

Bolsonaro observe na tela do computador imagem do governador de São Paulo, João Doria, durante teleconferência sobre coronavírus, em que o presidente preferiu tratar de suposto confronto de natureza eleitoral - Foto: Marcos Corrêa/ PR
Bolsonaro observe na tela do computador imagem do governador de São Paulo, João Doria, durante teleconferência sobre coronavírus, em que o presidente preferiu tratar de suposto confronto de natureza eleitoral Imagem: Foto: Marcos Corrêa/ PR

Colunista do UOL

26/03/2020 08h03

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Mergulho no texto acima nos desvãos da, por assim dizer, inconsciência de Jair Bolsonaro, o homem que, nas minhas contas, já cometeu 10 crimes de responsabilidade, com 15 agressões à Lei 1.079, que regulamenta o impeachment. É claro que ele jamais o admitirá. Deitado no divã, submetido ao processo de análise, já é bastante difícil chegar a certas conclusões sobre nós mesmos. Eu apenas estou caracterizando o narcisismo masoquista do nosso presidente. E, nesse sentido, é digno de piedade — a exemplo de todo humano. Esse é o Bolsonaro perigoso para si mesmo. Há aquele perigoso para os outros.

E o Bolsonaro perigoso para os outros gostaria mesmo é de um autogolpe. A rigor, toda a coreografia que executa, da candidatura ao exercício do poder, acena para essa fantasia. Ao escolher um general como vice, ainda que não fosse a primeira opção, viu logo uma utilidade: "Pensarão duas vezes antes de me derrubar, botando um quatro-estrelas no lugar". Em certa medida, tinha razão. Quando as esquerdas se lembram de que Hamilton Mourão pode assumir se o titular cair, o ânimo em favor do impedimento arrefece. Os companheiros fazem ainda outros cálculos, ligados à conveniência de o presidente arrastar-se no cargo até o fim, como um zumbi. Mas deixo isso de lado agora.

Na Presidência, Bolsonaro andou se indispondo com a ala militar, obedecendo à sabedoria do Rasputin da Virgínia, mas acabou mudando de rumo, ainda que a fidelidade à extrema-direita aloprada continue. Militarizou o Palácio do Planalto para valer como a dizer: "Ozômi tão comigo"... Será? Quem fala com pessoas da cúpula das tropas sabe que "ozômi" estão é com saco cheio de Bolsonaro e consideram que foi um erro meter as Forças Armadas nessa bagunça. Ainda há tempo para fazer a coisa certa. Para ficar claro! Não estou pregando golpe. Defendo que os militares ou voltem para os quarteis ou para a biriba no Clube Militar.

Bolsonaro percebeu que os terrenos que Paulo Guedes lhe vendeu na Lua não poderão ser entregues. E isso antecede a crise do coronavírus. Com ela, tanto pior. Afinal, também 2020 seria o ano do crescimento pífio. Agora será o da recessão. E essa perspectiva independe de haver ou não quarentena, certo? Com ela, a depender dos desdobramentos, é evidente que os índices podem piorar muito.

A Bolsonaro foi oferecida a chance, já afirmei no post anterior de ser o líder de um momento singular, em que o tabaréu pode virar um luminar e o líder rústico um estadista. A "Fortuna" apareceu. Mas não dispõe da "Virtù". Desde o seu primeiro dia no poder, o que o incomoda são os limites que lhe impõem a institucionalidade, o decoro do cargo, a complexa engenharia política das democracias. Pretende, no poder, comportar-se como um eterno "outsider", apontando o dedo contra a ordem legal, que o impediria de fazer o seu verdadeiro governo. E, nessa toada, comete, então, crimes em penca.

OBCECADO PELA REELEIÇÃO
O Bolsonaro do divã quer, sem que disso tenha clareza, que o expulsem do poder. Aquele que jamais vai procurar um analista está obcecado pela reeleição. Desenhado o jogo como estava, apesar do desempenho pífio da economia, isso lhe parecia possível. O narcisista da destruição quer continuar a exercitar o seu jogo à espera da punição.

A crise do coronavírus trouxe ao palco outros atores. E, como se pode notar, o presidente está, desde já, em busca de culpados para justificar a sua incompetência, a sua inação, a sua incapacidade de responder a uma crise que pode, sim, ser devastadora.

O dito "Mito" sabe que, finda a quarentena, no todo ou em parte, as mortes vão continuar. O sistema de saúde evidenciará seus limites. E a economia tende a estar em frangalhos — até porque seu Posto Ipiranga ainda não se deu conta do tamanho da crise e não está intelectualmente equipado para lidar com um Estado reparador. Seu liberalismo de meados do século passado vê nesse ente um inimigo. E a elite empresarial B e C que chegou junto ao poder está convicta de que pobre, no Brasil, tem a mania de querer demais. São os mesmos "empreendedores" enricados que se perguntam: "Vamos parar o país por causa de uns velhos? Toda guerra produz perdas... Melhor que sejam os idosos".

Ao fazer a sua pantomima — e o ataque contra Doria o evidenciou de maneira escancarada — contra o isolamento social, como se esta fosse uma escolha permanente, Bolsonaro prepara o discurso a que pretende recorrer em 2022 — se concluir o mandato e candidatar à reeleição; hoje, ele está mais perto do impeachment.

O PLANO
O plano do ogro das instituições é acusar os governadores de terem exterminado os empregos para combater o coronavírus, qualificando a quarentena -- adotada no mundo inteiro, note-se -- de inútil porque, afinal, continuou a morrer gente.

Mais: digamos que a paradeira dure um mês ou, vá lá, dois — o que não vai acontecer. Certamente não será coisa boa para a economia, mas a vaca não teria ido para o brejo por isso. O Brasil será colhido pelo baque da economia mundial, com o menor crescimento da China em décadas e uma possível recessão nos EUA e na Europa. A quarentena, no fim das contas, será só uma apenas uma gota a menos no copo vazio.

Vejam lá: em vez de se apresentar como o líder na crise, Bolsonaro trouxe em seu avião 22 contaminados. Sem saber se estava com o vírus ou não, foi para o meio de apoiadores, endossando protestos que pediam o fechamento do Congresso e do STF.

Sua única preocupação é a reeleição. Quando o seu berreiro se voltava contra os políticos, contra a corrupção, contra o Lula, contra os comunistas, contra o PT etc., seus admiradores não precisam esperar dele nada além de pesados insultos contra adversários ideológicos. E ele não mudou o padrão: enquanto o vemos em pronunciamento oficial a tratar a pandemia como "gripezinha", os governadores associam seus respectivos nomes a hospitais de campanha, a respiradores, a máscaras para profissionais de saúde.

O discurso tendente a acusar os governadores e a mídia pelo desemprego no país sucumbirá diante da escalada dos contaminados e dos mortos. E as sacadas e janelas, em número sempre crescente, manifestam-se todas as noites: "Fora Bolsonaro".

Sim, o seu ataque aos governadores é calculado e já é parte de sua campanha eleitoral. Só que seus alvos, nessa crise, estão associados à resposta a um problema que apavora os brasileiros. E a marca de Bolsonaro, nesse tsunami que desorganizou seu jogo e as antevisões de Paulo Guedes será a negação de um problema que está à vista de todos. E que vai crescer.

É por isso que os bolsonaristas não convidam as janelas a gritar: "Fica Bolsonaro". Poucas pessoas compareceriam ao enterro dessa quimera porque, no momento, não podem nem enterrar seus mortos.

E, fiquem certos, ele continuará a esticar a corda. Porque não tem apreço nenhum pelas instituições. Porque nunca se deitou num divã.