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Reinaldo Azevedo

Notícia-crime contra Bolsonaro não vai dar em nada. Mas já é a largada...

Marco Aurélio Mello: o fato de o ministro não ter arquivado de cara a notícia-crime quer dizer alguma coisa? Quer! - Foto:  Foto: Beto Barata / AE
Marco Aurélio Mello: o fato de o ministro não ter arquivado de cara a notícia-crime quer dizer alguma coisa? Quer! Imagem: Foto: Foto: Beto Barata / AE

Colunista do UOL

31/03/2020 09h24

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Está fazendo barulho nas redes a decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo, de enviar à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime contra Jair Bolsonaro. O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) acusa o presidente de pôr em risco a saúde da população com seu pronunciamento da semana passada, em que estimula as pessoas a abandonar a quarentena.

A notícia-crime se ancora no Artigo 268 do Código Penal, a saber:
"Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro".

Antes que avance: será que o presidente fez isso? Fez. Nessa e em outras circunstâncias.

Marco Aurélio poderia ter mandado arquivar a notícia-crime se a coisa lhe parecesse absurda de cara. Não pareceu.

Vai dar em alguma coisa? Não. Mas é bom se instruir a respeito e reparar que o comportamento temerário do presidente já começa a chamar a atenção da institucionalidade.

É evidente que Augusto Aras vai recomendar o arquivamento. Aliás, ele próprio poderia ter proposto à Polícia Federal abertura de inquérito para investigar ações temerárias de Bolsonaro no caso do coronavírus. Não o fez.

Digamos que o procurador-geral opinasse a favor da aceitação da notícia-crime. Marco Aurélio faria seu relatório. Se concordasse com o procurador, submeteria ao plenário seu relatório para que todos votassem: deve-se ou não abrir um processo contra o presidente? Se a maioria dissesse que sim, seria preciso pedir autorização à Câmara para processar Bolsonaro. Dois terços dos deputados teriam de concordar: 342. Se isso acontecesse, o presidente viraria réu por crime comum e teria de ser afastado de suas funções, segundo o Inciso I do Parágrafo 1º do Artigo 86 da Constituição, à espera do julgamento.

Nada disso vai acontecer agora porque:

1: o procurador-geral vai, obviamente, pedir o arquivamento da notícia-crime;
2: ainda que fizesse o contrário e que o Supremo pedisse à Câmara autorização para processar o presidente, inexistem hoje -- NOTEM BEM: HOJE -- os 342 votos para isso (dois terços).

Mas e aquela história do Parágrafo 4º do mesmo Artigo 86, segundo o qual "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções"?

Pois é... Ocorre que o pronunciamento não é um ato "estranho ao exercício" da função, certo? Só existiu em razão da função.

Reitero: não vai dar em nada. Mas já aconteceu muita coisa. Quando menos, soou um alarme. Bolsonaro vai ignorá-lo.