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Reinaldo Azevedo

Com fala, Bolsonaro faz militares corresponsáveis por contaminados e mortos

Bolsonaro faz pregação golpista nas redes sociais, na rampa do Palácio do Planalto, enquanto partidários seus pregam golpe em frente ao Palácio do Planalto. Crime de responsabilidade - Reprodução/Facebook
Bolsonaro faz pregação golpista nas redes sociais, na rampa do Palácio do Planalto, enquanto partidários seus pregam golpe em frente ao Palácio do Planalto. Crime de responsabilidade Imagem: Reprodução/Facebook

Colunista do UOL

04/05/2020 08h52

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As Forças Amadas, o Exército em particular, vão ter de decidir se querem sair da crise do coronavírus carregando milhares de cadáveres nas costas, muito especialmente de pretos de tão pobres e pobres de tão pretos, ou se pretendem um lugar honroso na "missão mais importante da sua geração", para ficar nos termos do general Edson Leal Pujol — e tal missão é ajudar a população a enfrentar o mal.

Neste domingo, um dia depois de se encontrar com ministros (incluindo Fernando Azevedo e Silva, da Defesa) e com os três comandantes militares, o presidente fez a sua mais agressiva pregação golpista desde que assumiu o poder. Parece que estamos diante de uma rotina. É como se Bolsonaro estivesse empenhado em superar, a cada dia, a sua própria marca no "golpômetro". Desta vez, portanto, pois, foi ainda mais ousado.

Enquanto muitas centenas, talvez poucos milhares, de pessoas manifestavam o seu apoio ao presidente e atacavam os demais Poderes da República, com pregação explícita de fechamento do Congresso e do Supremo, Bolsonaro falava ao vivo para as suas redes sociais, na rampa do Palácio do Planalto.

Longe de amansar a fúria dos apoiadores, fez questão de jogar mais lenha na fogueira. Ameaçou o Supremo, disse que as Forças Armadas estão do seu lado ["do nosso lado"] e declarou: "Agora não tem mais conversa". Enquanto isso seus apoiadores espancavam um fotógrafo e tentavam expulsar outros jornalistas da manifestação. Estavam trabalhando, direito que o presidente diz defender.

Por que afirmo que os militares correm o risco de sair da crise com milhares de cadáveres nas costas? A cada dia, Bolsonaro mais se escora nas Forças Armadas para justificar suas falas e atos tresloucados. Ao evocá-las como elemento dissuasório para tentar desestimular um movimento em favor do impeachment ou tentar criar embaraços à investigação autorizada pelo Supremo, ele as torna copartícipes de seu governo — e são mesmo — e corresponsáveis por escolhas que são suas.

Os que protestaram neste domingo, a exemplo do presidente, queriam o fim do isolamento social que está em prática nos Estados. A pressão se dá no momento em que o colapso no serviço público de saúde já chegou a alguns Estados e ameaça outros, com um número explosivo de contaminados e mortos.

O presidente, no entanto, não se fez de rogado e, mais uma vez, naturalizou a morte de doentes, tratando-a como uma fatalidade a ser encarada pela população. Acompanhado de Laura, sua filha, de 9 anos, disse:
"Manifestação espontânea do povo, aqui em Brasília. Pela governabilidade. Pela liberdade. Pela democracia. Isso nunca aconteceu em governo nenhum. Muitos querem voltar ao trabalho. O governador aqui [do Distrito Federal] já está abrindo. Mas o Brasil como um todo reclama volta ao trabalho. Esta destruição irresponsável de empregos por parte de alguns governadores é inadmissível. O preço vai ser muito alto na frente: fome, desemprego, miséria. Isso não é bom. E o país, de forma altiva, vai enfrentar os seus problemas. Sabemos o efeito do vírus, mas, infelizmente, muitos serão infectados. Infelizmente, muitos perderão suas vidas também. Mas, infelizmente, é uma realidade que nós temos de enfrentar. Não podemos fazer com que o efeito colateral do tratamento de combate ao vírus seja mais danoso do que o próprio vírus. Desde há 50 dias, eu venho falando isso."

É estupendo. A morte não é uma mera dificuldade a ser enfrentada. Tampouco se trata de uma escolha da qual se possa eventualmente recuar. O "Mito", atribuindo-se poderes realmente divinos, convoca o povo para a autoimolação, para o sacrifício.

Até seu novo ministro da Saúde, este inefável Nelson Teich, diz que a orientação do Ministério da Saúde não mudou, afirma que não se vai mexer na política de isolamento social com a contaminação e as mortes em ascensão e especula, como fez na quinta, sobre a possibilidade de o Brasil vir a alcançar a marca apavorante de mil cadáveres por dia.

O presidente, no entanto, faz questão de ignorar até aquela que, para todos os efeitos, é a orientação oficial de seu próprio governo. E diz que as Forças Armadas estão com ele. Se estão, também haverão de responder, moralmente ao menos — e quando menos —, pelas milhares de mortes. A história cobrará de cada um o preço devido.