BOLSONARO VAI ÀS COMPRAS: "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão"
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O presidente Jair Bolsonaro decidiu ir às compras. E o mercado é, como direi?, vendedor! Então junta a comida com a vontade de comer. Eis um encontro feliz. Leiam o que informa a Folha. Volto em seguida.
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Gigantes do chamado centrão, como PP, PL e Republicanos, estão gerenciando a distribuição de cargos do governo federal para atrair partidos menores para a base de apoio do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O Diário Oficial da União desta quarta-feira (6) trouxe a nomeação de Fernando Marcondes de Araújo Leão como diretor-geral do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), com salário de R$ 16.944,90.
A autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, é responsável pela construção de barragens e açudes nas regiões áridas do país. Tem forte caráter assistencial no interior do Nordeste.
Parlamentares e um técnico do governo disseram à reportagem que a indicação de Leão para o cargo foi levada ao governo pelo líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), um dos interessados em disputar a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara em fevereiro de 2021.
Procurado, Lira, que esteve no Palácio do Planalto no fim desta manhã, não respondeu à reportagem.
O centrão, bloco recriado na Câmara a partir de 2015 sob o comando de Eduardo Cunha (MDB-RJ), hoje preso em decorrência da Lava Jato, era demonizado até pouco tempo por Bolsonaro e aliados, sendo tratado como a pior coisa que há na política, nas palavras do próprio presidente.
Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), chegou a ensaiar uma cantoria pejorativa contra o grupo durante convenção do PSL, antes das eleições de 2018.
"Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou Heleno, em cena filmada e postada nas redes sociais, comparando os parlamentares da legenda a ladrões.
No protesto com pautas antidemocráticas de domingo (3), prestigiado por Bolsonaro, o centrão, que é um dos principais implicados no escândalo da Lava Jato, continuava como alvo dos apoiadores do presidente.
Bolsonaro passou a buscar o apoio do grupo com o objetivo, segundo aliados, de criar pela primeira vez uma base mínima de sustentação no Congresso que evite o prosseguimento de um possível processo de impeachment.
Após os encontros com Bolsonaro, líderes dos partidos, que contam com cerca de 200 dos 513 parlamentares, se colocaram publicamente contrários ao impeachment. Para que seja deflagrada a tramitação de um pedido de impedimento, é preciso autorização de Rodrigo Maia, hoje adversário de Bolsonaro, mas que tem resistido a dar o aval.
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COMENTO
Bem, dizer o quê?
Eu sempre defendi que Bolsonaro se entendesse com partidos políticos e formasse uma base de apoio.
Ele nunca achou necessário. Como conseguiu aprovar a reforma da Previdência sem dividir o poder com partidos, achou que poderia seguir nessa toada.
O problema e que ele decidiu entrar em confronto com o Legislativo, com o Supremo, com os governadores, com ministros seus... E foi cometendo crimes de responsabilidade em penca.
Ter uma base é coisa boa e necessária, desde que se saiba para quê.
E por que, mesmo, o presidente decidiu aderir ao "é dando que se recebe"? Porque precisa contar com um mínimo de 172 votos na Câmara para não ser alvo ou de processo por crime comum ou por crime de responsabilidade (impeachment). Em qualquer caso, é preciso ter a autorização de dois terços da Câmara (342).
O tal Centrão conta com uns 200 e poucos deputados. É o bastante para que não prospere uma denúncia contra ele.
ALVO PERMANENTE
O Centrão sempre foi alvo dos bolsonaristas. No ato fascistoide de domingo, prestigiado pelo presidente, os deputados da turma voltaram a ser demonizados. É por isso que a distribuição de cargos vai se dando na surdina.
A base (im)popular bolsonarista resistiu unida mesmo à defecção de Sergio Moro — antes um santo, agora um demônio. Resistirá à prova de fogo do Centrão?
Os acordos estão se dando em moldes clássicos do varejão político. Mas com método. Vejam o caso do Denocs, o famoso Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, com larguíssima memória do terreno dos escândalos.
O cargo foi repassado de porteira fechada para o deputado Arthur Lira (AL), líder do PP. Mas não para ele ocupar. O valente terceirizou a benesse e a entregou para o deputado Sebastião Oliveira (PL-PE), que representa o baixo clero do baixo clero.
E foi Oliveira, na verdade, quem indicou Fernando Marcondes de Araújo Leão. O salário — de R$ 16.944,90 — é bom, mas não é isso que conta. O departamento tem um orçamento de R$ 1 bilhão para obras contra as secas. Mesmo que ninguém roube nada, o que se tem é uma máquina eleitoral nas mãos.
E qual o interesse de Lira em receber um mimo de Bolsonaro e repassar a terceiros? Formar ele próprio a sua própria base para ver se consegue se viabilizar como candidato à Presidência da Câmara. Eduardo Cunha, que está preso, era mestre em fazer essas triangulações.
Note-se: quanto mais Bolsonaro vai queimando pontes e gerando conflitos, mais caro se torna o apoio a ele.
Reitere-se: governar o país com os partidos é desejável; é a regra do jogo. Bolsonaro dizia que jamais o faria.
Está fazendo. Pelos piores motivos. O Centrão não está migrando para o governo porque apoia seu programa ou suas propostas. Quer os cargos para fazer política miúda e também graúda. Bolsonaro está tentando articular um candidato do governo à Presidência da Câmara. Isso quer dizer que o preço do apoio vai disparar mais do que o dólar.
O presidente não quer uma base para levar adiante seu suposto projeto reformista. Ele foi às compras para não cair.
Acho que general Heleno não volta a cantar aquela musiquinha tão cedo.