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Reinaldo Azevedo

A Marcha da Morte prova de novo que Guedes é um primitivo. Como seu chefe

Paulo Guedes: foi ele o orador da turma na Marcha dos insensatos . Não é melhor do que Bolsonaro - Pedro adeira/Folhapress
Paulo Guedes: foi ele o orador da turma na Marcha dos insensatos . Não é melhor do que Bolsonaro Imagem: Pedro adeira/Folhapress

Colunista do UOL

08/05/2020 13h51Atualizada em 09/05/2020 05h53

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Sempre fico muito comovido quando vejo jornalistas - alguns são meus amigos, gente que admiro - a fazer uma distinção entre Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Não consigo ver as diferenças - a não ser aquelas que não fazem diferença. Guedes é multimilionário; Bolsonaro, que eu saiba ao menos, é um classe média. Guedes conhece economia o suficiente, Bolsonaro só sabe javanês. Guedes professa, para todos os efeitos, um credo liberal; Bolsonaro luta todos os dias para conter seu viés estado-militarista...

Mas e daí? Que diferença isso faz? Embora Bolsonaro fosse o estandarte da marcha dos insensatos, sua suposta base técnica era Paulo Guedes. Lá estava ele se jactando dos esforços do governo na crise, como se fizesse sacrifício pessoal; endossando, com terrorismo econômico, a tese doidivanas e homicida do presidente; desrespeitando todos os protocolos conhecidos de combate à pandemia; desmoralizando até mesmo o ministro da Saúde e enrolação - para todos os efeitos, a orientação oficial do ministério, sob intervenção militar, é manter, por enquanto, o distanciamento social.

A Guedes se entregou a gestão de metade do governo. É visível que ele não tem condições de tocar tantas pastas ao mesmo tempo. Como diz um amigo, comporta-se como um vendedor de carro usado - e bichado -, a plantar ilusões e amanhãs sorridentes, sem que se conheçam os instrumentos para tanto. Seu mais recente foco é conter o reajuste de salário dos servidores por um ano e meio. Sem isso, entende-se, não há solução. Não pode ser sério.

O dólar roça nos R$ 6, e o céu é o limite tudo o mais constante. Juros baixos pressionam para cima a moeda, é verdade. Mas pensem um pouco: é só isso? Vejam a fama que Bolsonaro vai espalhando planeta afora. O Brasil parece um lugar seguro para investir? Quem confia num presidente - e em sua equipe econômica - que é hoje considerado um negacionista ensandecido? Algumas das mais importantes publicações do mundo já esculhambaram Bolsonaro em editoriais. Até sua sanidade mental foi posta em dúvida. A mais recente publicação a fazê-lo é a The Lancet, uma das mais prestigiadas na área da ciência. Em editorial, diz que o presidente brasileiro é a maior ameaça ao combate ao coronavírus.

Não obstante, Guedes passou a semana lutando pelo congelamento do salário dos servidores e acompanhou Bolsonaro ao Supremo para cobrar do presidente da Casa, sabe-se lá por quê, o fim do isolamento social. "Ah, não foi bem assim!" Foi. Não só isso: colaborava com seu chefe para tentar jogar parte da responsabilidade pela crise no colo do tribunal, hoje visto como o grande inimigo do governo. E não se enganem: também por Guedes.

Até outro dia, era o Congresso. Bolsonaro começou a lotear o governo com o Centrão, o suficiente ao menos para não ser impichado. Se não quiser, não precisa nem comprar senadores. Basta um saco de deputados. Assim, buscam agora levar o vírus da cizânia para o Supremo. E, pior, há gente por ali oferecendo terminais ligadores para infeccionar a Casa.

A frase infeliz do ministro sobre as empregadas que não mais poderiam ir à Disney não tem nem três meses. A moeda americana estava cotada a R$ 4,35. Fechou nesta quinta a R$ 5,86. E nem dá para ir a Cachoeiro de Itapemirim por causa do coronavírus. Quer dizer: prevalecesse a vontade de Guedes, a cidade já teria sido toda infectada.

A verdade nua e crua é que ele não sabe mais o que fazer. Não sabendo, precisa encontrar bodes expiatórios: o isolamento social, o Supremo, os servidores, o plano alternativo dos militares, qualquer coisa...

Bolsonaro é, digamos, um homem sem experiência social. Seu horizonte ia do baixo clero da Câmara a seus amigos da Zona Oeste do Rio. Guedes, na aparência ao menos, era um cidadão do mundo, um liberal de mente arejada. Nunca foi. Apresentou-se como o grande orador na turma na blitz (ainda que consentida) feita ao Supremo. E pouco importa o que isso possa representar do ponto de vista institucional.

No que concerne à democracia, é um primitivo. Como seu chefe. Também por isso estão juntos.