Topo

Reinaldo Azevedo

Bolsonarinho paz & amor com governadores é falso; ataque antecedeu reunião

Bolsonaro, ladeado por Davi Alcolumbre (à esq.) e Rodrigo Maia, conduz reunião a distância com governadores. Clima foi ameno. E enganador! - Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados/CP
Bolsonaro, ladeado por Davi Alcolumbre (à esq.) e Rodrigo Maia, conduz reunião a distância com governadores. Clima foi ameno. E enganador! Imagem: Foto: Luis Macedo / Câmara dos Deputados/CP

Colunista do UOL

22/05/2020 09h16

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Se a paz se definisse pela ausência de chiliques, xingamentos, bravatas, estupidez, ignorância, truculência, obscurantismo, gritaria, histeria, bazófia, cretinismo, crendice... Bem, se paz é isso, estão ela se instaurou nesta quinta-feira na reunião a distância entre o presidente da República e os 27 governadores. Em companhia de Bolsonaro, em Brasília, estavam Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), que presidem, respectivamente, a Câmara e o Senado.

Um dos itens da pauta era o anunciado veto de Bolsonaro à decisão do Congresso de excluir algumas categorias do congelamento, por 18 meses, do salário dos servidores de União, Estados e municípios. Havia a perspectiva de que pudesse ser derrubado. O presidente, na prática, pediu o apoio dos governadores para que seja mantido.

Não encontrou resistência. É claro que aos Executivos estaduais também interessa manter fixa a despesa com os salários. De resto, não estão impedidos de fazer contratações temporárias para a área da Saúde se os desastres da Covid-19 assim o exigirem.

Bolsonaro agradeceu o clima de cooperação. O próprio governador de São Paulo, João Doria, falou sobre a necessidade de o país caminhar unido. A decisão sobre derrubar ou não o veto do presidente será do Congresso, mas parece claro que, no que depender dos governadores, tal veto se mantém. É bom lembrar ainda que o presidente foi às compras e já está com alguns deputados nos bolsos — que, por sua vez, também encheram os seus respectivos com cargos. Começa a nascer uma base governista que troca votos por cargos com um descaramento como nunca se viu na história deste país.

O Bolsonaro que prometia um jeito novo de governo inaugura o verdadeiro fisiologismo. Gostassem ou não das pautas, FHC e Lula tinham as suas respectivas. Formaram maiorias para implementá-las — e, sim, eles o fizeram em troca de cargos. O atual presidente não tem pauta nenhuma. Ele só tenta ter o número necessário de parlamentares para não cair. Adiante.

Há ainda uma pendência — e, como sempre, vem da arca dos alienados chefiada por Paulo Guedes. Por falta de imaginação e por não saber que resposta dar à crise, envergam as vestes da ortodoxia liberal à beira do abismo. A área econômica quer vetar a parte do texto aprovada pelo Congresso que permite aos Estados suspender o pagamento de parcelas de dívida com entidades multilaterais, como o Banco Mundial, por exemplo.

No caso de suspensão, quem paga é a União. Guedes e seus bravos querem que, tendo de arcar com a obrigação dos devedores, a governo federal possa, então, tirar o valor correspondente do repasse obrigatório aos Estados. Fosse como quer o governo, a suspensão da dívida seria impossível. É bom notar: o Congresso deu ao governo federal instrumentos e recursos praticamente ilimitados para enfrentar a crise. Mas Guedes quer manter apertada a corda no pescoço dos governadores. Bolsonaro não disse nem que sim nem que não.

Então está selada a paz perpétua? Pouco antes da reunião virtual com os governadores, o presidente desceu a língua nos ditos-cujos naquelas suas conversas de boteco com apoiadores em frente ao Alvorada. Um deles reclamou de um ato qualquer do governador do Ceará, e o presidente disparou:
"Imaginem uma pessoa do nível dessas autoridades estaduais na Presidência da República. O que teria acontecido com o Brasil já? Vocês vão ter que sentir um pouco mais na pele quem são essas pessoas para, juntos, a gente mudar o Brasil. Mudar à luz da Constituição, da lei, da ordem".

O Brasil não enfrenta uma convulsão originada na Saúde por obra dos governadores, que arcam com o peso de impor o distanciamento social, tendo de aturar a sabotagem cotidiana do próprio presidente da República e de setores do empresariado que este recruta. O tsunami dos mortos está chegando. Será que Bolsonaro se deu conta da gravidade da situação e resolveu moderar o discurso?

Não há nenhuma razão para acreditar nisso. O confronto com os governadores está contratado a menos que o presidente dê cavalo de pau em tudo o que disse e fez até agora. Nesta quinta, o país bateu um novo recorde de registro de mortes em 24 horas — 1.188 —, e o número de notificações explodiu: 18.508 novos casos. E não há plano de voo nem para a saúde nem para a economia.

A paz não é a ausência de guerra. Especialmente uma ausência temporária.