Sai o "Livro das Suspeições", 1ª obra de fôlego sobre o terror da Lava Jato
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De agora em diante, a cada vez que você, internauta, se deparar com um artigo sobre a Lava Jato, procure saber — pergunte nas redes sociais — se o autor leu "O Livro das Suspeições", que acaba de ser lançado pelo Prerrogativas, grupo de advogados que luta em favor do devido processo legal. Trata-se de um conjunto de 31 artigos e um "post scriptum" de autoria de 40 advogados e juristas — alguns textos, portanto, têm mais de um autor —, organizado por Lenio Streck e Marco Aurélio de Carvalho. Ao longo de 290 páginas, faz-se o que eu chamaria de um primeiro memorial das agressões à ordem legal cometidas pela Lava Jato sob o pretexto de combater a corrupção.
Uma boa notícia adicional. É possível ler o livro sem desembolsar um tostão. Basta clicar aqui para ter acesso à íntegra. Os doutores foram generosos com o leitor. Os textos são amigáveis com os não especialistas sem, no entanto, perder o seu rigor técnico. Assim, também os operadores do direito que não acompanharam a operação no detalhe têm muito o que aprender. E, creio, todos vão se surpreender um tanto com o conjunto de aberrações relatadas. O foco, nessa primeira obra de fôlego sobre o tema, como o título evidencia, é a suspeição de Sergio Moro como juiz. Sim, o "caso Lula" é o mais eloquente, mas não é o único em que ilegalidade e autoritarismo se estreitaram num abraço insano.
Em algum momento, a Segunda Turma do Supremo terá de concluir a votação do HC 164.493, que pede a suspeição de Moro, o que levaria à anulação da condenação, conforme prevê o Artigo 564 do Código de Processo Penal. Já há dois votos contrários: dos ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia, proferidos em dezembro de 2018. Gilmar Mendes pediu vista, e, desde esse pedido, aguarda-se a conclusão. Além de Mendes, votarão Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.
Contra Fachin e Cármen há a evidência de que, já em dezembro de 2018, havia razões de sobra para declarar a suspeição de Moro. Mas resolveram posar de faraó do coração duro. A favor da dupla conta-se o fato de que, então, ambos desconheciam as demolidoras reportagens que o site The Intercept Brasil e parceiros trouxeram à luz. A publicação da primeira reportagem data de 9 de junho do ano passado. Enquanto não se proclama o resultado de uma votação, o juiz tem o direito de mudar de ideia.
A SUSPEIÇÃO
No livro, o jurista Lenio Streck trata da questão do impedimento de um juiz, detalhada nos Artigos 252 a 254 do Código de Processo Penal. Evidencia que o próprio STF, em 2013, no julgamento de um HC (95.519) -- processo cujo juiz era Moro, diga-se --, deixa claro que há outras causas de impedimento além das hipóteses taxativas lá elencadas. Entre elas está o comportamento sistemático do juiz em desacordo com o devido processo legal.
Será que Moro fez isso? Vamos ver. Note-se, em todo caso, que, entre as hipóteses taxativas, explicitas, de impedimento, está a inimizade ou amizade entre juiz e réu (CPP, Inciso I, Art. 254). Em entrevista à GloboNews no dia 5 de julho deste ano, o ex-juiz comparou o julgamento de Lula a um ringue. É? Então Moro admite que era... inimigo do réu. Impedido está.
THE INTERCEPT BRASIL
Em sumaríssima síntese, o que as reportagens do The Intercept Brasil e parceiros evidenciaram?
- contato direto e sistemático entre o juiz e o acusação;
- juiz sugerindo oitiva de testemunhas a procurador;
- juiz cobrando resultados e providências dos procuradores contra o réu: sugeriu, por exemplo, que membros da força-tarefa contestassem o "showzinho da defesa";
- juiz apontando ineficiência de uma procuradora, que acabou substituída;
- interferência do juiz nas chamadas fases da Lava Jato;
- confissão de que manipulara, de caso pensado, a divulgação ilegal de uma gravação também ilegal de uma conversa entre Dilma e Lula;
- "anuência com" e "estímulos a" comportamentos heterodoxos dos procuradores, como foi o caso do famoso e absurdo PowerPoint.
ATENÇÃO!
Tais reportagens eliminaram qualquer suspeita de imparcialidade de Moro e de rigor técnico da Lava Jato. Acrescentaram um rol de barbaridades a um conjunto conhecido e já impressionante de agressões ao devido processo legal e à moralidade. Sem elas, no entanto, a consciência jurídica brasileira seguiria narcotizada, engolfada pelo vale-tudo em nome do combate à corrupção.
Antes de a Vaza Jato revelar o circo de horrores, Moro já havia:
- decretado a condução coercitiva de Lula ao arrepio da Lei (Artigo 260 do CPP);
- condenado Lula sem prova, dado que aquilo que ele considera prova na sentença não guarda nenhuma relação com a denúncia;
- evidenciado, em embargos de declaração, que nem mesmo era o juiz natural da causa já que admitia inexistir nexo entre os contratos da OAS com a Petrobras e o tal tríplex de Guarujá;
- divulgado ilegalmente a gravação também ilegal entre Dilma e Lula;
- usado e abusado de prisões preventivas, segundo sua conveniência;
- levantado o sigilo da, como escrever?, polêmica delação de Antonio Palocci uma semana antes da eleição de 2018;
- aceitado o cargo de ministro da Justiça de Bolsonaro -- tal fato, diga-se, de pornografia política explícita, antecede os votos de Fachin e Cármen Lúcia contra a suspeição, o que já considero vergonhoso para ambos.
Ao longo dos 32 textos de 40 autores, vamos tomando ciência de tudo o que a Justiça não pode ser, ainda que se alegue uma finalidade nobre e necessária: combater a corrupção. O Brasil não está nesta lama por acaso. A corrupção é um mal que tem de ser permanentemente enfrentado. Combatê-lo, no entanto, à margem do estado de direito destrói direitos, empregos, institucionalidade e democracia. O livro é leitura obrigatória.