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Reinaldo Azevedo

O plano antigo de Moro e o que já é uma tradição: ignorar as regras do jogo

Artigo de Sergio Moro sobre Operações Mãos Limpas, escrito em 2004. No destaque, a apologia dos vazamentos e a imprensa como aliada - Reprodução
Artigo de Sergio Moro sobre Operações Mãos Limpas, escrito em 2004. No destaque, a apologia dos vazamentos e a imprensa como aliada Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/08/2020 08h18

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Sergio Moro agiu, é certo, com método, como demonstra Fernando Augusto Fernandes em "A Constituição para todos", um dos artigos de "O Livro das Suspeições". Seu plano era antigo. E, desde sempre, a imprensa era tida como aliada da sua cruzada. E, convenham, ele tem parcelas dela nas mãos até hoje. Transcrevo:

Em 2004, Sergio Moro publicou "Considerações sobre a Operação Mani Pulite", texto em que analisou a Operação Mãos Limpas, executada na Itália, nos anos 1990. Trata-se do plano de ação que veio a resultar na Lava Jato, com fundamentos para "a deslegitimação do sistema" e "o uso da opinião pública", pelo "isolamento na prisão" e amparada pelo "largo uso da imprensa" para promover vazamentos, pois, na operação italiana, "o constante fluxo de informações manteve o interesse público elevado". "As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela Operação Mani Pulite", afirma Moro no texto.

O texto de Moro está aqui. Ali ele antecipa tudo o que vai fazer.

O autor evidencia a tradição que tinha o agora ex-juiz de mandar a lei às favas. Leiam:
Os antecedentes de Sérgio Moro no STF demonstram a atuação de um juiz que não respeita nem a lei, nem a Constituição, nem as partes. O Juiz havia determinado a monitoração do advogado e professor Cezar Roberto Bitencourt para descobrir onde estava o cliente. Em 2013, o Supremo Tribunal Federal julgou o HC 95.519 do Paraná, em que era impetrante o advogado Cezar Roberto Bitencourt. O habeas corpus, de relatoria do ministro Eros Grau, se fundamentava, entre outras razões, no fato de que "teria decretado cinco vezes (quatro sequenciais), de ofício e sem a oitiva prévia do Ministério Público Federal (MPF), a prisão preventiva do paciente de forma alternada em duas ações penais, não obstante decisões do TRF da 4ª Região e do Supremo Tribunal Federal [HC nº 85.519, de minha Relatoria, DJ de 13/12/05], concedendo liberdade no curso da ação". O STF determinou uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz, apesar de negar o writ. Mas vale a leitura de trecho do voto de Celso de Mello: O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:
Parece-me, em face dos documentos que instruem esta impetração e da sequência dos fatos relatados neste processo, notadamente do gravíssimo episódio do monitoramento dos Advogados do ora paciente, que teria ocorrido, na espécie, séria ofensa ao dever de imparcialidade judicial, o que se revelaria apto a caracterizar transgressão à garantia constitucional do "due process of law". [?] Peço vênia para deferir o pedido e, em consequência, invalidar o procedimento penal, pois tenho por gravemente ofendida, no caso em exame, a cláusula constitucional do devido processo legal, especialmente se se tiver em consideração o comportamento judicial relatado na presente impetração. Na realidade, a situação exposta nos autos compromete, segundo penso, o direito de qualquer acusado ao "fair trial", vale dizer, a um julgamento justo efetuado perante órgão do Poder Judiciário que observe, em sua conduta, relação de equidistância em face dos sujeitos processuais, pois a ideia de imparcialidade compõe a noção mesma inerente à garantia constitucional do "due process of law". São essas as razões que me levam a dissentir da corrente majoritária. É o meu voto. (STF - 2ª t. - HC 95.518/PR - voto do Min. Celso de Mello - j. 28.05.13)

Ali se votava justamente a suspeição de Moro. Infelizmente, Celso de Mello saiu vencido. Ele votou em favor da suspeição de Moro. No caso de Lula, o ministro é considerado um fiel da balança.

Embora ninguém possa jurar, considera-se que Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski tendem a considerar, sim, a suspeição de Moro. Não se tem expectativa clara do voto de Celso. Que use aquele mesmo critério. Pode haver parcialidade mais explicita do que tudo o que foi revelado pelo The Intercept Brasil, acompanhado das indevidas ações de Moro como juiz, como ministro da Justiça e já agora como pré-candidato à Presidência?

Mais: Edson Fachin e Cármen Lúcia já deram o seu voto. Dormirão com a consciência tranquila — para um juiz, suponho, isso acontece quando faz justiça — sabendo agora tudo o que sabem? Espero que leiam o livro.

No dia 24 de abril, Sergio Moro foi ao Twitter defender a homicida proposta de "excludente de ilicitude". E resolveu recorrer ao Código Penal Alemão para se justificar.

Pois é... O Artigo 339 do dito código, na Alemanha, reserva de um a cinco anos de cadeia para juiz que não atua com imparcialidade.