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Reinaldo Azevedo

Quando o crime só vem no fim. Ou: Atirando flechas e pintando o alvo depois

Pronto! Flechas lançadas. Agora só falta o mau juiz redesenhar o alvo. Vai acertar sempre! - Reprodução
Pronto! Flechas lançadas. Agora só falta o mau juiz redesenhar o alvo. Vai acertar sempre! Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

03/08/2020 08h18

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Todos os artigos de "O Livro das Suspeições" merecem uma leitura atenta. Mas há alguns aos quais se deve dar especial atenção porque revelam, poder-se-ia dizer, a alma profunda de um então juiz e da própria Lava Jato.

É o caso de "Bastardo inglório ou meramente suspeito?", de Alberto Zacharia Toron. O texto já começa bem pela epígrafe: um trecho de "Alice do Outro Lado do Espelho", de Lewis Carroll. Reproduzo:
"Não percebo", disse Alice. "É terrivelmente confuso". "É a consequência de se viver para trás", disse a Rainha afavelmente. "Ao princípio fica-se um pouco entontecido". [...] "Que espécie de coisas se lembra melhor?", arriscou-se Alice a perguntar. "Oh, das coisas que aconteceram na semana que vem", respondeu a Rainha num tom descuidado. "Por exemplo, agora", continuou, pondo um grande adesivo no dedo enquanto falava, "estou a lembrar-me do Mensageiro do Rei. Está agora na prisão a ser castigado; e o julgamento não começa senão na próxima quarta-feira; e é evidente que o crime só virá no fim".

Eis aí. Primeiro o culpado. O crime vem no fim. Lênio Streck e Marco Aurélio de Carvalho recorrem a uma outra imagem bastante precisa:
"O ex juiz e ex-ministro Sergio Moro é uma figura e tanto. Não erra jamais. Seu truque é usar o Fator Target -- primeiro atira a flecha. Depois pinta o alvo. Pronto."

Vivemos sob a égide de um jeito de fazer justiça e de combater a corrupção que primeiro escolhe os culpados. Depois se trata de ajustar os fatos ao resultado já definido.

Em seu artigo, Toron joga luzes sobre o modo de atuação de Sergio Moro na corte. Segundo se depreende da leitura — e os vídeos estão espalhados por aí —, o ex-Rei Sol da 13ª Vara Federal de Curitiba não inquiria réus ou testemunhas com a isenção que tem de ter um magistrado, cujo dever funcional é ouvir com igual interesse, atenção e desvelo todas as partes. Recomendo que leiam o artigo de Toron, que começa à página 49. O autor transcreve trechos de audiência.

O que se vê já desde a primeira hora é um "juiz de acusação". Toron reproduz, vejam lá, trecho do depoimento do colaborador Augusto Mendonça Neto. Escreve o advogado:
Com o pretexto de "esclarecer", destruía-se a prova feita pela defesa e se construía a da acusação. Para exemplificar: A título de "esclarecimentos do juízo", o Juiz fazia perguntas que induziam a testemunha ou colaborador a afirmar as condutas imputadas na peça acusatória do Ministério Público Federal. Ao perguntar sobre o "clube" que supostamente os empresários teriam formado, ele "questionava" se o aumento da eficiência deste se dava por meio da cooptação de diretores da Petrobras e se essa cooptação se dava por meio do pagamento de propina e se, por fim, o clube definia previamente quem iria ganhar a licitação e repassava essa informação aos diretores "cooptados":

É como age um juiz de condenação.