Dallagnol dá uma de Wassef ao ver revelado seu vínculo com marido de juíza
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Há coisas que só acontecem no ambiente do lavajatismo. Vamos lembrar.
Na minha coluna desta sexta, na Folha, afirmo que fui condenado por uma juíza que é mulher de um amigo de Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato, que me processou. Também escrevi um post a respeito neste blog. A Folha deste sábado traz uma reportagem. Vou relembrar o caso daqui a pouco.
Nos meus textos, afirmo que, segundo as regras do jogo, entendo que a juíza — no caso, Sibele Lustosa — deveria ter-se dado por suspeita. Pois bem. Quem reagiu ao texto? A meritíssima? Não! Ela preferiu não falar com a reportagem da Folha. Quem decidiu sair em defesa da magistrada — e de si mesmo, claro! — foi justamente Dallagnol.
Não é impressionante? Ele é parte do processo. Ele é o querelante. Está em vantagem porque tem uma sentença, não definitiva, em seu favor. Mas, claro!, ele se acha isento o bastante para ser judicioso a respeito. Aliás, sempre se coloca na posição de juiz dos juízes, não é mesmo? Inclusive do Supremo.
O procurador enviou uma nota ao jornal, que reproduzirei, na integra, neste post. Antes, uma síntese do caso, conforme escrevi na coluna do jornal. Vamos lá.
O procurador da República Deltan Dallagnol, ex-coordenador da Lava Jato em Curitiba, decidiu me processar por danos morais. Escolheu um caminho que constitui o que considero um truque, já chego lá. Fui condenado a lhe pagar R$ 35 mil.
Sibele Lustosa, a juíza de direito que me condenou, é mulher do procurador da República Daniel Holzmann Coimbra, que trabalha com Dallagnol na Procuradoria da República no Paraná. São parceiros e amigos. Parece-me certo —razão por que submeto o caso ao escrutínio de leitores, juízes do Paraná, do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça— que Sibele deveria ter-se dado por suspeita para julgar o caso.
Numa democracia, têm de valer as regras do jogo. Dispõe o inciso I do artigo 145 do Código de Processo Civil: "Há suspeição do juiz [quando] amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados". Obviamente, não sou inimigo da juíza Sibele, mas ela é mulher do amigo da outra parte.
Há particularidades no processo. Dallagnol apelou ao Sexto Juizado Especial Cível de Curitiba, que é o antigo Juizado de Pequenas Causas. Obviamente, estamos no terreno da liberdade de expressão e da eventual transgressão de seus limites. Um direito constitucional não pode, por definição, ser considerado uma "pequena causa".
Ocorre que o caminho escolhido pelo procurador encontrou o juizado que lhe pareceu mais adequado, não é mesmo? Mais: por ser uma suposta "pequena causa", a chance de apelar da sentença se resume a uma Câmara Recursal apenas, que faz as vezes do Tribunal de Justiça, obstando-se o caminho para o STJ.
Se eu for malsucedido nessa esfera, resta recurso extraordinário ao STF, situação, então, em que ou a corte constitucional do país avalia um caso oriundo do antigo Juizado de Pequenas Causas, ou o peticionário —nesse caso, este escriba— é condenado a cumprir a decisão tomada pela mulher do amigo da parte vencedora.
Não descarto que a juíza Sibele possa estar convencida de que sou culpado e de que o parceiro e amigo de seu marido tem razão na sua demanda. Mas o Código de Processo Civil protege querelantes, querelados e juízes dessa situação vexatória. Ah, sim: quem redigiu uma sentença que diz respeito a um fundamento constitucional foi uma juíza leiga --advogada que presta serviço à Justiça para casos de menor complexidade. Mas a decisão tem de ser referendada por juiz de direito e foi --no caso, pela doutora Sibele.
(...)
QUE FIQUE CLARO
Quem redigiu a sentença foi uma juíza leiga. Mas esta não condena ninguém. A responsabilidade é da juíza de direito do caso: Sibele Lustosa. E ela é casada com Daniel Holzmann Coimbra, colega de trabalho e amigo de Dallagnol.
À reportagem da Folha, o ex-coordenador da Lava Jato enviou uma nota, que foi remetida ao excelente e sempre diligente Alexandre Fidalgo, meu advogado, que me repassou. Segue na íntegra. Comento em seguida.
"O procurador Deltan Dallagnol lamenta as agressões injustas do jornalista à juíza e ao Poder Judiciário. As especulações do jornalista sobre suspeição não têm qualquer base na realidade ou na lei. O procurador informa que não tem relação de amizade pessoal ou íntima com o procurador da República Daniel Holzmann e não recorda de ter tido qualquer contato com a sua esposa. O procurador informa ainda que tomou conhecimento pela imprensa, nesta data, de que a juíza seria esposa de seu colega de profissão."
ENTÃO VAMOS LÁ
Vejam a imagem lá no alto, extraída do site da Procuradoria da República do Paraná. Então Dallagnol trabalha com o procurador Daniel Holzmann Coimbra, que é o coordenador do Grupo de Combate à Corrupção, mas, claro!, amigos não são...
Mais do que isso. Esse grupo se subdivide em três outros subgrupos. O "Dois", denominado "Combate à Corrupção" propriamente, conta com cinco membros: entre eles, estão Coimbra e Dallagnol. Mas, claro!, amigos não são...
Lembram-se quando vieram a público os diálogos no Telegram entre Dallagnol e Sergio Moro? O procurador nunca disse que as conversas reveladas por The Intercept Brasil eram falsas. Limitou-se a afirmar que não havia como provar a sua autenticidade.
Agora, recorre à mesma linguagem oblíqua: ele não nega que já tenha tido contato com a juíza que me condenou. Prefere dizer que "não recorda de ter tido (sic) qualquer contato". Ah, bom. Às vezes, não é?, a gente pode alegar que se esqueceu de um determinado evento.
Quanto à afirmação de que a suspeição não tem qualquer base na lei, bem, que fale de novo a lei:
Dispõe o inciso I do artigo 145 do Código de Processo Civil: "Há suspeição do juiz [quando] amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados".
AGRESSÕES?
Dallagnol diz que agredi a juíza e a Justiça. Uma ova! Apontar uma situação objetiva, de fato, não é agredir ninguém: nem a juíza nem o Poder Judiciário. Estamos diante de um esforço canhestro do procurador para provocar uma reação corporativista de juízes do Paraná.
Querem exemplos de agressão ao Poder Judiciário? Pois não!
"Com todo o respeito ao STF e seu presidente, trata-se de solução casuísta que está equivocada juridicamente e que, independentemente de sua motivação, a qual não se questiona, tem por efeito dificultar a investigação de poderosos contra quem pesam evidências de crimes."
Deltan Dallagnol no Twitter sobre uma decisão de Dias Toffoli
"Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe"
Deltan Dallagnol sobre decisão de Dias Toffoli que ele considerou favorável a José Dirceu
Não apontei motivação subalterna da juíza Sibele. Apenas revelei a existência de laços que, segundo entendo, deveriam tê-la levado a se declarar suspeita. Vejam acima como reage Dallagnol quando ele discorda da decisão de um ministro do Supremo.
No seu caso, claro!, tratar-se-ia apenas de "liberdade de expressão".
Agride o Poder Judiciário quem, à frente de uma força tarefa, ordena investigação de ministros do Supremo e seus familiares ao arrepio da lei.
Agride o Poder Judiciário quem recorre às redes sociais para demonizar o Supremo.
Agride o Poder Judiciário quem, pertencendo ao Ministério Público, resolve excitar a fúria das redes sociais para forçar ministros da corte constitucional a tomar decisões que sejam do seu agrado.
A nota de Deltan Dallagnol lembra a reação do advogado Frederick Wassef quando a Polícia prendeu Fabrício Queiroz em seu sítio: "Eu não falei com o Queiroz, não tenho o telefone do Queiroz, eu nunca troquei mensagem com o Queiroz."
Então tá.