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Reinaldo Azevedo

Fux "deslê" mito da caverna e canta glória cavernosa da Lava Jato. Veremos

Luiz Fux, novo presidente do Supremo, e o trecho do diálogo sobre o Mito da Caverna, de que deve ter se esquecido... Ele recebeu o cumprimento do antecessor no cargo, ministro Dias Toffoli - Marcos Corrêa/PR; Reprodução
Luiz Fux, novo presidente do Supremo, e o trecho do diálogo sobre o Mito da Caverna, de que deve ter se esquecido... Ele recebeu o cumprimento do antecessor no cargo, ministro Dias Toffoli Imagem: Marcos Corrêa/PR; Reprodução

Colunista do UOL

11/09/2020 07h25

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O ministro Luiz Fux tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal. Fez um discurso que traz palavras, sem dúvida, auspiciosas, elogiáveis. Mas há também zonas de sombra. Ademais, já vivi o bastante para saber que uma coisa é o que as pessoas dizem; outra, o que fazem. Conhecemos a árvore por seus frutos. Vamos avaliar o ministro por seus atos.

Disse o ministro:
"(...) preservaremos, à frente da nossa Suprema Corte, a sua função precípua como instituição de jurisdição maior, defendendo a nossa Constituição, seus valores morais e suas razões públicas, e conjurando das nossas deliberações temas mais afeitos aos demais Poderes. Meu norte será a lição mais elementar que aprendi ao longo de décadas no exercício da Magistratura: a necessária deferência aos demais Poderes no âmbito de suas competências, combinada com a altivez e vigilância na tutela das liberdades públicas e dos direitos fundamentais. Afinal, o mandamento da harmonia entre os Poderes não se confunde com contemplação e subserviência."

A ser assim, estaremos no melhor dos mundos, desde que se tome o devido cuidado. O ministro diz que defenderá "os valores morais" e as "razões públicas" da Constituição. Ambas se expressam por meio de palavras, com sentido definido. Logo, é inadmissível que se possam defender uma coisa e outra contrariando flagrantemente o que está escrito, sem margem possível para ambiguidades. E Fux já fez isso. Que não peque mais, especialmente no comando do tribunal.

Fux criticou o excesso de judicialização da política, afirmando que o Poder Judiciário tem sido chamado a intervir porque outros atores políticos acabam preferindo o conforto de passar adiante responsabilidades que são suas. Faz sentido, sim, o que diz. E aí emendou:
"Portanto, nos próximos dois anos, será nosso objetivo preservar a dignidade da jurisdição constitucional. É cediço que, muitas vezes, o poder de decidir tangencia o poder de destruir. Por isso mesmo, a intervenção judicial em temas sensíveis deve ser minimalista, respeitando os limites de capacidade institucional dos juízes, e sempre à luz de uma perspectiva contextualista, consequencialista, pragmática, porquanto, em determinadas matérias sensíveis, O MENOS É MAIS."

Claro, claro! Sempre que o Poder Judiciário puder ser o mais discreto possível, na presunção de que esteja em curso o cumprimento da lei, assim deve se comportar. Preocupam-me, no entanto, palavras que são pau para toda obra em seu discurso como "perspectiva contextualista, consequencialista". Que diabo é isso? Pergunto: em nome do contexto, um juiz ou ministro pode decidir contra a letra da lei? Ou ainda: em nome das consequências, é possível ignorar o que está escrito?

O ministro Fux também cantou as glórias da Lava Jato, chutando para o mato seu imenso estoque de ilegalidades, e tonitruou:
"Igualmente, não mediremos esforços para o fortalecimento do combate à corrupção, que ainda circula de forma sombria em ambientes pouco republicanos em nosso país. Como no mito da caverna de Platão, a sociedade brasileira não aceita mais o retrocesso à escuridão e, nessa perspectiva, não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito. Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos, em razão das exitosas operações de combate à corrupção autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no Mensalão e tem ocorrido com a Lava Jato."

Bom, está claro que Fux ou não leu ou não entendeu o diálogo entre Sócrates e Glauco que está no livro "A República", de Platão. Se e quando o fizer, verá que Sócrates adverte para o risco de haver uma revolta dos que vivem de sombras contra aqueles que já saíram à luz. Assim, essa marcha dos iluminados é uma fantasia decorrente da má leitura ou da não leitura. Fora citar o que não leu, pecado menor, não há gravidade aí.

Grave, aí sim, é exaltar a Lava Jato, como se a operação não concentrasse boa parte do que não se deve fazer no universo do direito e do devido processo legal, em nome da causa. Afinal, chega a ser patético que um presidente do Supremo tenha de se declarar contra a corrupção. O contrário seria possível ou aceitável? Ninguém espera que Fux faça "uma criativa exegese do direito", à frente do Supremo — de que "matar a bola no peito" seria uma metáfora futebolística.

O que se espera do novo presidente do Supremo é que, em nome do combate à corrupção, não condescenda com agressões à letra da Constituição e ao devido processo legal. Porque isso, afinal, constituiria "criativa exegese do direito", como quando manteve pessoas na cadeia contra o que dispõe o Inciso LVII do Artigo 5º ou quando estendeu auxílio-moradia a todos os membros do Judiciário e do Ministério Público, ao custo de mais de R$ 5 bilhões.

Espero, com efeito, um Fux pouco criativo e apegado ao que diz a Carta.